Ações de Contrainteligência dentro dos governos
e empresas
Cláudio dos Santos Moretti, CES, ASE
Diretor da CSM – Consultoria e Treinamento em Segurança Empresarial | claudio_moretti@uol.com.br
28/06/2021
A Contrainteligência é dividida em duas categorias: Ativa e Passiva. A Contrainteligência Passiva está relacionada à segurança das informações, salvaguarda dos conhecimentos e sistemas de interesse contra ações de forças adversas. Como exemplo podemos citar: a classificação de documentos, já a Contrainteligência Ativa busca dissimular suas ações e confundir a Inteligência Adversária, levando o seu concorrente a ter uma interpretação errônea do que a sua empresa está fazendo ou planejando.
A Inteligência é dividida em dois ramos distintos e complementares: Inteligência e Contrainteligência. A Inteligência possui conceitos variados, de acordo com alguns autores. Porém, em geral, pode ser compreendida como um processo permanente e sistêmico no qual, a partir de uma necessidade identificada, dá início a um processo de coleta de dados e informações que serão organizados e analisados, segundo o contexto e seu resultado (Inteligência), que será disseminado aos níveis estratégicos, táticos e/ou operacionais com o objetivo de apoiar a tomada de decisão.
A partir do recebimento desse conhecimento (Inteligência), o tomador de decisões age e pode identificar novas necessidades, dando início a um novo ciclo de produção de conhecimento.
Já a Contrainteligência pode ser dividida em duas categorias distintas e também complementares, sendo Ativa e Passiva.
A Contrainteligência Passiva está relacionada a segurança das informações, salvaguarda dos conhecimentos e sistemas de interesse contra ações de forças adversas. Como exemplo podemos citar: a classificação de documentos, conforme a sua importância e sigilo. Procedimentos para produção, manuseio, compartimentação, guarda, transporte e descarte de informações, de acordo com a sua classificação de sigilo.
Em relação ao controle de acesso, normalmente ele depende de algo que você saiba, tenha ou o que você é. Uma senha é aquilo você sabe, um crachá é o que você tem e a impressão digital é o que você é. Em alguns casos, pode-se exigir a identificação positiva, isto é, mais de uma característica do controle de acesso, como portar o crachá e digitar uma senha ou usar a íris dos olhos para identificação.
O próprio local pode ser compartimentado, exigindo um tipo de identificação específica ou positiva para ter acesso ao local. A Contrainteligência Ativa busca dissimular suas ações e confundir a Inteligência adversária, levando o seu concorrente a ter uma interpretação errônea do que a sua empresa está fazendo ou planejando, ganhando destaque durante a segunda Guerra Mundial.
Veja alguns exemplos:
Enigma - Decifrando Informações
O Exército alemão desenvolveu um dispositivo de criptografia conhecido como “Enigma”, cujo número de combinações geradas era considerada inquebrável para sua decodificação por parte dos aliados.
O Eixo (Itália Fascista e Alemanha Nazista) desenvolveu várias formas de “Enigmas”, mas os modelos militares alemães, que possuíam três rotores, eram os mais complexos. Japão e Itália também tinham os seus codificadores, mas eram menos complexos.
Um pequeno grupo de atividades ultrassecretas foi criado para trabalharem em Bletchley Park, em Londres, liderados por Alan Turing, um matemático considerado o pai da computação que, com seu pequeno time, conseguiu “quebrar” a criptografia Enigma, criando o que ficou conhecido como a “Máquina Turing”.
Mesmo assim, a descoberta foi mantida em sigilo e usada apenas nas grandes estratégias de guerra para que os alemães não soubessem que a decodificação dos segredos de mensagens Enigma estava perdida e foi fundamental para a vitória dos aliados.
Essa história foi contada no filme “O Jogo da Imitação”, de 2015. Uma curiosidade é que, mesmo sendo herói, sem que ninguém soubesse, já que o projeto era ultrassecreto e só veio a público na década de 1970, ele era homossexual, o que era proibido na Inglaterra. Desse modo, em 1952, ele foi condenado e submetido a castração química.
O matemático Turing cometeu suicídio, em 1952, comendo uma maça com cianureto devido aos efeitos da castração química. Em 2009, houve um pedido de desculpa pelo primeiro ministro e, em 2013, ele recebeu o perdão da Rainha Elizabeth II.
Exército Fantasma
Um exemplo bastante conhecido e didático sobre ações de Contrainteligência Ativa faz parte da história da 2ª Guerra Mundial (1939 – 1945) quando os aliados decidiram pelo ataque realizado a partir do desembarque nas praias da Normandia, na França, no famoso dia D.
Para que isso ocorresse sem o conhecimento dos alemães, houve um grande esforço em ações de Contrainteligência. Uma das maiores operações de Contrainteligência para enganar os nazistas foi o uso do "Exército Fantasma".
Uma unidade com cerca de 1.100 homens que criaram de modo cuidadoso e técnico uma imagem de uma grande força do Exército americano com uso de tanques de guerra infláveis, transmissões de rádio falsas e efeitos sonoros que podiam ser ouvidos a cerca de 15 km de distância, além de flashes disparados à noite. Tudo isso para demonstrar uma posição e a mobilização do Exército nazista para um alvo que não existia, fortalecendo determinadas áreas nas quais Hitler achava que seria atacado.
Essa unidade “cumpriu” mais de vinte missões entre 1944 e 1945 sem ser descoberta. Na verdade, a operação só foi relatada oficialmente anos depois do fim da guerra.
Os homens que compunham essa unidade eram formados por artistas, oficiais e técnicos de som que participavam da criação e execução das ações de engodo ilusionista.
A Operação Overlord (desembarque na Normandia) foi apoiada pelo “Exército Fantasma”, que foi essencial para o desembarque dos aliados em 6 de junho de 1944 na costa norte na França, nas praias da Normandia, pois a região não foi reforçada pelo Exército alemão, que acreditava que o ataque seria em Pas-de-Calais, outra região da França, onde Hitler concentrou suas forças.
Esta estratégia, foi denominada de Operação Fortitude South. Liderada pelo General George S. Patton, o ato foi descrito no livro “Patton: o Herói Polêmico da Segunda Guerra”, de João Fábio Bertonha. Editora Contexto, 2011.
O homem que nunca existiu
MI6 é a abreviatura de Military Intelligence, section 6, o Serviço Secreto de Inteligência do Reino Unido. Ele elaborou um plano para desviar as forças alemãs fora para da Itália. Um submarino britânico, próximo da Espanha, lançou o cadáver de um inglês trajado com o uniforme de um alto militar britânico, carregando o que pareciam ser cartas oficiais de aliados descrevendo planos para uma invasão da Grécia. O corpo foi encontrado, e as cartas levadas pelos espiões alemães, em abundância na Espanha, para o alto comando alemão, que reforçaram as suas unidades na Grécia. Desta maneira, o Eixo tinha apenas 10 divisões italianas e duas unidades “panzer” alemãs na Sicília, quando as forças aliadas atacaram nas primeiras horas da manhã de 10 de julho de 1943, portanto, durante a Segunda Guerra Mundial.
A operação de Contrainteligência preparou o corpo do “Major Martin” que foi colocado num recipiente e selado preservado em gelo seco e vestido com o uniforme Royal Marines. O cadáver foi embarcado num submarino e lançando ao mar em 19 de abril de 1943, deixando a correnteza arrastar o corpo até Huelva, uma cidade litorânea da Espanha.
O corpo foi descoberto por pescadores e assim as informações acabaram chegando ao comando militar dos alemães.
Após três dias, o comitê recebeu um telegrama do adido naval com a notícia da descoberta do corpo. O corpo do Major Martin foi entregue ao vice-consulado britânico e foi enterrado com honras militares no dia 4 de maio no cemitério de Huelva.
Foi relatado que o homem havia caído na água vivo, que ele não tinha golpes, que se afogou e que o corpo tinha estado na água por três a cinco dias.
Para reforçar o engano, uma série de mensagens urgentes foram enviadas do Almirantado para o adido naval britânico em Madri solicitando o retorno a qualquer preço dos documentos encontrados no corpo e devido ao seu conteúdo altamente sensível, alertar as autoridades espanholas sobre sua importância. Os alemães cuidadosamente abriram a maleta e fotografaram todo o seu conteúdo. Depois, a maleta foi entregue às autoridades britânicas pelas autoridades espanholas. As fotografias foram enviadas urgentemente para Berlim, onde foram avaliadas pela inteligência alemã. Como resultado, a conquista da Sicília encontrou relativamente pouca resistência e foi concluída em 9 de agosto.
Toda essa história foi relatada pelo agente que participou da elaboração e realização da operação que foi batizada por ele de Mincemeat (Recheio). Todos os detalhes são contados no livro “O Homem que Nunca Existiu – a mais ousada operação de contraespionagem da Segunda Guerra Mundial”, por Ewen Montagu, editora Biblex, traduzido em 1978.
A guerra das colas – Coca X Pepsi
Outra ação exemplar de operação de Contrainteligência, pela forma com que foi conduzida, ocorreu a partir de junho de 1978, quando foi publicado um artigo na revista de negócios americana, Business Week (hoje Bloomberg Businessweek) com o título “A Pepsi enfrenta o campeão” na qual, pela primeira vez, a Pepsi era mais vendida do que a Coca-Cola.
Por isso, houve uma necessidade de aumentar a competitividade e de reagir à concorrência.
A “guerra” já havia se instaurado entre as duas bebidas, seja por tamanhos das garrafas, slogans marqueteiros, engarrafadoras, preço, distribuição e outros.
Com a intenção de lançar a Diet Coke, foi designado para essa missão um gerente que já havia trabalhado na área de marketing da Pepsi,
Sérgio Zyman. O projeto era secreto, inclusive para os funcionários da Coca-Cola.
Durante aproximadamente 48 meses nenhum material foi arquivado ou copiado. As reuniões estratégicas eram realizadas nos quartos de hotéis em Atlanta. O projeto recebeu o nome de Projeto Harvard porque Zyman participaria de um Programa Avançado de Administração Superior em Harvard e precisou desistir para liderar o projeto.
O projeto teve diversos nomes para despistar a curiosidade dos empregados da Coca-Cola. O principal assistente de Zyman enchia o escritório de caixas e jarras de suco de laranja, desviando o foco dos curiosos e da concorrência. Os detalhes dessa história e de outras cinco encontram-se no livro “Os Guerreiros dos Negócios”, de Douglas K. Ramsey, editora Record, 1987.
Identificando ações da Inteligência Adversa
Uma empresa líder de mercado em componentes eletrônicos com cerca de 10 mil funcionários, desenvolveu uma palestra para metade deles. O encontro de 90 minutos tratava sobre as formas de ataques dos concorrentes e Inteligência dos negócios. Foi solicitado aos funcionários que fizessem três coisas:
1. Anotar o nome e a empresa dos coletores de informações (por meio das ligações telefônicas que recebiam);
2. Perguntar quais as informações que eles realmente precisavam;
3. Relatar o fato ao departamento da empresa para análise.
O resultado foi que houve mais de 600 relatos. Esse resultado mostrou que o treinamento havia dado resultado. A análise revelou que todos os contatos haviam sido feitos por cinco pessoas da mesma empresa (concorrente). A análise também identificou quais eram os pontos de interesse do concorrente.
Com isso, é possível de identificar qual o “apetite” do concorrente e até onde ele pode chegar.
Essa é uma forma de trabalhar com os funcionários da empresa num programa de Contrainteligência. Este relato está contido no livro de Jerry P. Miller, “O Milênio da Inteligência Competitiva”, editora Bookman, 2002.
Conclusão
A Inteligência e a Contrainteligência Ativa e Passiva são complementares, sendo a Inteligência a coleta de informações para apoio à tomada de decisões. Já a Contrainteligência Passiva é um processo defensivo que leva em conta uma série de fatores, entre eles, que são seus concorrentes.
A Contrainteligência Ativa faz com que o seu concorrente pense que a sua empresa está preparando um produto ou serviço, mas na verdade, a sua empresa está com outro foco, em outra direção, dificultando ações da Inteligência adversa e da espionagem.
Nesses breves exemplos podemos observar que, em muitos casos, a Operação de Contrainteligência envolve grande planejamento e recursos para se chegar ao objetivo da atividade fim da Contrainteligência, que é o sigilo.