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Âncora 1

ESG

Esg e o meio ambiente: precaução e prevenção
de riscos

Silmara Veiga de Souza Calestini Montemor
Doutora em Direito Ambiental, Advogada, Consultora Sênior Associada da Brasiliano INTERISK

26/08/2021

Num mundo cada vez mais globalizado em que as relações estão cada vez mais intensas entre os países e entre os diversos atores, muito do que impacta uma localidade por mais distante que esteja, acaba ressoando em diversos outros locais.

Como exemplo, temos o caso da recente tomada do Afeganistão pelos talibãs. Foi algo sentido e lamentado por todo o mundo, que compartilhou uma sensação de frustração diante dos acontecimentos.

Ocorre que, também nas relações comerciais, o mundo está cada vez mais conectado. Consequentemente, modificações nos costumes, por menores que sejam, como o fato de as pessoas deixarem de usar canudos plásticos em resposta ao lixo plástico existente nos mares, fatalmente impactam as empresas que vendem produtos com canudos, as quais precisam perceber esse movimento e se adequar.

 

Paulatinamente as pessoas têm uma tomada de sentimento e de consciência de que suas ações impactam o meio ambiente.

Isso gera um encadeamento que precisa ser encarado. No ano de 2020 a BlackRock firmou entendimento no sentido de direcionar seus investimentos observando o cumprimento de uma agenda ESG.

ESG significa Environmental, Social e Governance, ou seja, atribui uma vertente ambiental, uma social e uma de governança aos negócios, iniciativa esta que extrapola em muito as práticas atualmente implantadas como GRI. Significa que uma empresa precisa ser plena nas suas relações.

O que é ser pleno?

Significa deslocar o fator ambiental da posição de escanteio e trazê-lo para o coração da empresa, de onde ele passa a bombear seus princípios para as demais áreas.

E quais são esses princípios?

De uma maneira básica, eles são Precaução e Prevenção, que têm a finalidade precípua de redução de riscos, que podem ser elencados, entre outros, como riscos financeiros, de danos à imagem, riscos de processos que podem levar em último grau à paralisação das atividades da empresa.

E o meio ambiente vai muito além da proteção das florestas, como se pensava há algum tempo. Podemos falar não somente em meio ambiente natural, como também em meio ambiente cultural, meio ambiente artificial, meio ambiente do trabalho, e há os que já falam em meio ambiente digital, e sobre isso se tratará a seguir.

O meio ambiente e as novas perspectivas da agenda ESG

Da maneira clássica, conhecemos por meio ambiente o natural, que é aquele propriamente dito no sentido ecológico, e que abarca as florestas, o ar, os mares e oceanos.

E quando se fala em questões do meio ambiente natural nas atividades empresariais tem-se em mente o impacto gerado sobre recursos tais como a água, contaminações, e, sobretudo, os riscos pela responsabilidade ambiental que é tríplice, podendo dar-se nas esferas administrativa, penal e civil (nesta esfera se responde de forma objetiva pelo que se sabe e pelo que deveria saber acerca dos eventuais danos). Além disso, já dentro de uma agenda ESG, trata-se da adoção de metas e métricas pelas empresas para mitigação, por exemplo, das emissões de gases do efeito estufa e redução da dependência de energia, mudando o modal para energias sustentáveis como a energia solar, colocando parâmetros e formas de verificação externa de atendimento a tais metas, de uma forma bastante conectada, por exemplo, com a Agenda 2030 da ONU.

Mesmo quando se fala das cidades, têm ganhado força práticas de permacultura, com telhados verdes, hortas coletivas, até porque o princípio dessa prática de agricultura afirma que o homem desconectado do meio ambiente se desconecta de si mesmo, ou seja, é trazido o meio ambiente natural para onde seria um local árido do meio ambiente artificial do qual falaremos adiante. Ou seja, quando falamos de meio ambiente natural na visão ESG é um horizonte bastante amplo que engloba o meio ambiente natural em suas diversas facetas, que compreende riscos, impactos e sua mitigação, novas formas de agir e de utilizar os recursos naturais, tudo isso sob o guarda-chuva dos princípios de Prevenção e Precaução.

Já o meio ambiente cultural, é aquele que engloba as práticas, os modos de fazer, agir, falar, as culturas e tradições na sua diversidade. Pode ser citada nas empresas a aquisição de força de trabalho de pessoas com perfil diverso, seja em função de raça, religião, idade, necessidades especiais, opção sexual, gênero e até mesmo de pessoas que atualmente não se identificam com nenhum gênero. E isso parece extremamente assustador, porque talvez as empresas ainda não estejam preparadas, mas talvez deva se pensar no quanto a diversidade pode somar no sentido de criatividade, como resultante do somatório de opiniões distintas que podem enxergar as coisas sob novas perspectivas.

E isso não somente por um dever de consciência, mas também como forma de evitar prejuízos financeiros, pois recentemente houve uma ação envolvendo uma das mais bem conceituadas empresas do país, a XP Investimentos. A ação cobra uma indenização de 10 milhões de reais por conta de uma foto da Ável Investimentos em Porto Alegre, empresa ligada à XP Investimentos, em que de cento e onze funcionários apareciam nove mulheres, ao menos aparentemente não se viam negros na foto, traçando um perfil de pessoas jovens, brancas e do sexo masculino. Na visão dos que ingressaram com o processo, não se está refletindo o ordenamento social, composto também de negros, por exemplo.

Continuando, há também o meio ambiente artificial, constituído pelas ações e intervenções do homem, como as cidades, prédios. E talvez essa possa ser apontada como a primeira vertente da aplicação dos conceitos ambientais nas empresas com implantação de princípios da agenda de ODM’s (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio), especialmente visando à garantia da qualidade de vida e do respeito ao meio ambiente (Objetivo n. 7).

Essa mudança estrutural no meio ambiente artificial é relativamente fácil de demonstrar: na década de 1980 era comum passar-se por ruas e avenidas de prédios de escritórios e ver luzes acesas durante toda a noite. Hoje tem-se em mente que o último a sair apaga as luzes; antigamente os relatórios eram todos impressos, e atualmente até os CEO’s evitam imprimir  documentos em grande número; começaram a ser pensados edifícios com maior iluminação e ventilação natural; e estratégias como reaproveitamento de água das chuvas, colocação de painéis solares e utilização de energias renováveis. Tudo isso são fatores que ao longo do tempo geram uma significativa economia de recursos e também uma melhor qualidade de vida para os que trabalham em tais ambientes.

Além de tudo o que já foi colocado, temos o meio ambiente do trabalho que precisa ser salubre em todas as suas vertentes, um local de convívio saudável, onde as pessoas vão passar boa parte de suas vidas, e deve estar distante de práticas abusivas em face de funcionários. Isso engloba o cumprimento de leis trabalhistas da maneira tradicional, mas também vem tomando vertentes como práticas de incentivo aos colaboradores para que se sintam realmente parte, para que evoluam profissionalmente oferecendo perspectivas, tornando-se protagonistas no seu espaço de ação por menor que este seja, valorizando a pessoa daquele colaborador, porque uma das formas de desumanizar alguém é tirar o valor de seu trabalho, transformando-a num mero instrumento.

Pelas novas práticas, na visão correta dentro da agenda ESG, o colaborador merece ser visto como um indivíduo, recebendo um treinamento adequado para aquela função para agir e reagir de forma ordenada e correta dentro das situações e problemas do cotidiano. E isso também evita danos, como o emblemático caso do Carrefour em Porto Alegre em que houve a morte de um consumidor, o que gerou um prejuízo mais do que financeiro (foi realizado acordo para pagamento de 115 milhões de reais), isso refletiu na imagem da empresa e possivelmente respingará ainda ao longo de alguns anos, e se deverá gastar muito mais em ações sociais e de marketing para reverter essa situação.

A empresa precisa prover treinamento, e pagar adequadamente os seus terceirizados para que estes também forneçam um treinamento adequado, porque lidar com o público, necessariamente envolve fatores adversos, pessoas sob estado alterado, por exemplo. Então, é necessário haver um protocolo para isso, porque é uma situação cotidiana; e protocolos para o caso contrário também, formas de proteção no caso de funcionários serem agredidos pelos consumidores, porque o funcionário não é obrigado a se submeter a humilhação para se manter num emprego.

Engloba ainda o meio ambiente digital, aquele composto pelos recursos de tecnologia. E desse é fácil citar exemplos de abusos, tal como cobranças sucessivas e incansáveis, com mais de vinte telefonemas a consumidor em um único dia; práticas agressivas de marketing por meio de algoritmos que praticamente perseguem o potencial consumidor nas suas redes; ligações e reuniões seguidas mesmo em horários fora do expediente pelas empresas em tempos de home office. Tudo isso precisa ser visto dentro do princípio da Dignidade Humana, por muitas vezes irem além da mera perturbação do sossego, que, inclusive, constitui por si só um crime.

Pensamos numa mudança estrutural de comportamento empresarial, e se até então a perspectiva empresarial baseava-se no lucro, modernas teorias já vinham realçando o sentido da função social da empresa. A própria Constituição Federal de 1988 no art. 5°, XXIII, afirma que a propriedade atenderá a sua função social, incluindo-se, portanto, as empresas, o que vem repetido no art. 170, III, capítulo destinado a tratar da ordem econômica.

E mais uma vez se vai além, não se trata apenas de cumprimento da função social da empresa através da série de deveres e obrigações legais, como o pagamento de impostos e obrigações trabalhistas, que por si só muitas vezes já aparentam ser um fardo demasiadamente intenso. Mas sim da mudança no paradigma ético propriamente dito.

Modernamente pelos conceitos de ESG entende-se que a empresa de forma objetiva é responsável pela sua pegada no mundo, seja no sentido de pegada ambiental enquanto impactos pela sua existência, seja de pegada social, constituída pelas suas relações e como influencia a sociedade, e seja também pela sua governança de como ela se estrutura, relaciona-se em sua estrutura interna e também em relação aos stakeholders em termos de ética e de transparência. É algo difícil, sem dúvidas.

Em suma, o que precisa ser visto é que além de a agenda ESG estar se tornando uma imposição do mercado, o não cumprimento voluntário representa alto risco financeiro, e a exposição de falhas em tempos de internet pode representar uma verdadeira catástrofe em termos de imagem a acompanhar a empresa por anos, podendo se sobrepor e apagar o brilho de muitos esforços e trabalhos positivos realizados.

 

De qualquer forma, é preciso ter em mente que, não obstante a relevância das políticas aplicadas ao mercado pelos agentes globais, o certo é que, no final das contas, quem direciona o mercado e impulsiona todas essas práticas e mudanças de conduta é a própria sociedade em si, esse universo pulverizado de milhões de seres, que devem agir conscientemente, no sentido de livremente optarem por soluções e direcionamentos que efetivamente se adéquem ao bem-estar coletivo.

REFERÊNCIAS

BLACKROCK. Uma mudança estrutural nas finanças. Disponível em: https://www.blackrock.com/br/larry-fink-ceo-letter. Acesso em 19 ago. 2021.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm#adct. Acesso em 28 mar. 2020.

CANOFRE, F.; NOGUEIRA, I.. Com acordo de 115 milhões, Carrefour evita processo pelo caso Beto Freitas. Jornal Folha de São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/06/com-acordo-de-r-115-milhoes-carrefour-evita-processos-pelo-caso-beto-freitas.shtml. Acesso em 19 ago. 2021.

OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO. Agenda 2030. Disponível em: http://www.odmbrasil.gov.br/os-objetivos-de-desenvolvimento-do-milenio. Acesso em 19 ago. 2021.

OLIVEIRA, I. Após foto com homens brancos, ação pede indenização de 10 milhões à XP e a Ável. Portal UOL. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/08/18/ongs-pedem-indenizacao-xp-avel-por-falta-diversidade-entre-colaboradores.htm. Acesso em 19 ago. 2021.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em 19 ago. 2021.

SANTOS, R. Racismo Estrutural, Entidades ajuízam ação contra Ável e XP por processos seletivos discriminatórios. Revista Consultor Jurídico, 18 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-ago-18/entidades-ajuizam-acao-avel-xp-condutas-discriminatorias. Acesso em 19 ago. 2021.

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