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Âncora 1

TECNOLOGIA

Mundo líquido - a era da informação, fake news e desinformação

Cláudio dos Santos Moretti, CES, ASE
Diretor da CSM – Consultoria e Treinamento
em Segurança Empresarial | claudio_moretti@uol.com.br

26/08/2021

O mundo mudou, ou melhor, o mundo vem mudando a cada dia.

Alvin Toffler, em seu livro A Terceira Onda (1980), descreve a evolução social como três ondas, sendo a primeira a da agricultura, onde o que tinha valor era a terra e o homem, sua força muscular. Na segunda onda o que prevalecia eram as máquinas e o homem, a era industrial. Na terceira onda, o que prevalece é a informação, o conhecimento, a imagem, enfim aquilo que é intangível, onde uma imagem, uma ideia uma criação ou inovação tem muito mais valor do que os produtos tangíveis, as fábricas, as máquinas etc.

A premissa é que o homem, ou melhor seu cérebro, suas ideias, sua imaginação, seus insights têm muito mais valor que a sua força, que as terras ou que as máquinas.

Um breve exemplo: No dia 14/06/21, o jogador de futebol Cristiano Ronaldo, CR7, numa entrevista, afastou as garrafas da Coca-Cola que estavam sobre a mesa. Esse gesto, pensado ou não, acabou por trazer uma perda de US$ 4 bilhões no valor de mercado da Coca-Cola, ou pelo menos ajudou nessa queda. Observem que a Coca-Cola não deixou de produzir nenhuma garrafa do produto e não fechou nenhuma fábrica, mas trinta minutos depois dessa atitude do jogador ela perdeu 1,6% no valor de suas ações. Apenas uma imagem, uma ideia, uma atitude.

 

Toffer, em 1980, já antevia diversas mudanças sociais e tecnológicas.

Sua visão demonstrava, entre outras coisas, o uso extremado da tecnologia, não apenas na indústria, mas também na vida social, como é hoje. Os novos estilos de família, de trabalho, de economia, de conflitos políticos e comportamentos, além de escolas e empresas seriam radicalmente modificados.

Ele tinha esta visão em 1980 e hoje vemos os reflexos disso principalmente nas redes sociais e na importância que elas ganharam com aquilo que Zygmunt Bauman chamou de Mundo Líquido, onde as formas não existem ou pelo menos não são duradouras, nem produtos, nem relacionamentos, nem parcerias.

A conexão mundial trouxe para mais perto de todos nós e de todos os negócios aquilo que é conhecido como efeito borboleta, onde o bater das asas de uma borboleta pode resultar num tsunami do outro lado do mundo.

Hoje a informação é disponível em todo o mundo e ao mesmo tempo por conta da rede mundial de computadores, a internet.

Hoje, por conta da internet, a informação está disponível para todos em tempo real.

Internet

É certo que a internet trouxe enormes benefícios para toda a sociedade, ou pelo menos para a grande maioria que tem acesso a ela.

Mas apesar de a internet estar disponível desde a década de 1970, com maior uso doméstico no Brasil a partir da década de 1990, com a abertura do mercado, acredito ser uma tendência cada vez maior do seu emprego tanto nos negócios como na vida pessoal de cada um. Uma amostra disso é a IOT - Internet of Things ou Internet das Coisas.

Cada vez estamos mais dependentes da internet, em todos os aspectos.

Com o uso maciço e o advento das redes sociais como o Facebook, Instagram, twitter etc. a conexão entre usuários domésticos cresceu exponencialmente e demonstra sua força nas marcas, reputações, imagem, ideologias, etc.

Muitas pessoas ainda não perceberam a forma de atuação das redes sociais, nas quais, basicamente, temos três funções distintas:

- A primeira delas é como clientes, pagando pelas informações ou acessos a determinados conteúdos que achamos relevantes.

- A segunda é como funcionários das redes sociais, onde você posta conteúdos que irão gerar “likes”, também quando curtimos algum conteúdo postado por outro “funcionário”, quando compartilhamos conteúdos gratuitamente, às vezes a serviço de outros usuários, às vezes para serviços de IA - Inteligência Artificial, pelos quais alguém é pago, etc. Ou seja, estamos trabalhando, produzindo, curtindo ou transferindo, compartilhando.

- A terceira função é como produto. Nós somos produtos para sermos utilizados por programas da IA, nossos dados são comercializados e podem ter propósitos de negócios, publicidade paga dos anunciantes, de políticos ou criminosos.

Como foi citado no documentário da Netflix, Privacidade Hackeada, 2019, “se você não está pagando, você é o produto”.

As três funções citadas são utilizadas para ganhos, para os usuários, sim, o mesmo nome utilizado para quem é viciado em drogas, os dependentes químicos.

Nesse caso, pessoas fazem uso de forma viciante e não conseguem diminuir ou se livrar dessas drogas (as redes sociais).

Isso não quer dizer que elas sejam ruins ou que todos deveriam abandoná-las. Eu mesmo utilizo as redes sociais com frequência.

Os problemas em relação ao uso das redes é não entender o seu funcionamento, as regras do jogo, e eu vou apresentar algumas.

Inteligência Artificial

No livro Os Algoritmos Satânicos - O lado sombrio das redes sociais de Jair Lorenzetti Filho, 2021, o autor divide a rede em três áreas, que ele chama de “pessoas”, sendo que a primeira se chama big data (nuvem de dados), que nada mais é que a nuvem onde eles guardam e organizam nossos dados, para as outras áreas usarem.

Ele exemplifica como se a big data fosse o arquivista de biblioteca da Inteligência Artificial.

A segunda área é o deep learning (aprendizado profundo), basicamente é como um vendedor comum, que passa o tempo todo monitorando todas as nossas “curtidas”, buscas, preferências, enfim, analisando nosso comportamento.

E a última é a mais experta, o machine learning (aprendizado de máquina). “Este é um daqueles vendedores muito ligeiros, que usam aqueles recursos de vendas dos “universitários”, conduzindo você até comprar o que eles querem. Por exemplo, a técnica do sim, onde eles vão lhe falando coisas que você vai sempre dizer sim, até a última que é para você comprar o que eles estão lhe vendendo. Se você não comprar ele começa sempre tudo novamente do zero, até você comprar. Sendo esperto e repetitivo ele lhe convence de qualquer coisa”.

É por isso que quando você se interessa por um determinado produto, um tênis, por exemplo, ele passa a aparecer em todos os sites que você visita, sugerindo preços ou apresentando novos modelos.

Nós somos categorizados de acordo com nossas preferências, buscas e likes.

O que ocorre é que por nossos interesses, outros interessados “semelhantes” nos são “apresentados”. Quer dizer que se você gosta de cães, por exemplo, os perfis com o mesmo interesse acabam aparecendo para você, em seu perfil e tudo o que for favorável a ele também. Dessa forma você fica numa “bolha”, onde todas as postagens e notícias sobre o tema lhe serão apresentados sem que você perceba. O pessoal da área de marketing chama isso de bolha de filtragem.

A forma de fugir dessa bolha é observar perfis opostos, sejam produtos, ideologias, políticas etc. Do contrário, depois de algum tempo, você não conseguirá “enxergar” fora da bolha.

Desinformação

A desinformação sempre existiu, mas nem sempre foi percebida pela sociedade e a desinformação NÃO é uma informação acidentalmente enganosa, ela é feita de maneira proposital, com a finalidade de enganar.

Em muitos casos a desinformação vem inserida no contexto de uma informação verdadeira, que serve para lhe dar credibilidade. Então uma notícia real servirá como cavalo de Tróia para levar a informação falsa, a desinformação.

Desinformação tem diversos conceitos, como por exemplo, no livro Pequena história da desinformação de Vladimir Volkoff, 2004: “O termo surge no inglês (disinformation) em 1972 no Chambers Twentieth Century Dictionary em Londres com a seguinte definição “vazamento proposital de informações enganosas”.

Operações Psicológicas

É o termo utilizado nos serviços de Inteligência para as técnicas que envolvem desinformação e propagandas enganosas. Essas técnicas foram muito utilizadas durante a segunda a Guerra Mundial (1939 – 1945) e durante o período da Guerra Fria (1947 – 1991). Os fundamentos das Operações Psicológicas são a indução de comportamentos e a influência nas ideias e conceitos que as pessoas receberão através da disseminação dessas campanhas de propaganda que são manipuladas para persuadir a população.

Isso foi feito antes do advento da internet e, assim como ocorreu com a Atividade de Inteligência Competitiva, desenvolvida após o fim da Guerra Fria, as Operações Psicológicas também se adaptaram, principalmente com o uso das redes sociais.

Basta lembrar que a maior fonte de recrutamento do terrorismo são as redes sociais.

Boatos e Fake News

Os boatos e fake News podem ser entendidos como a desinformação em forma de notícias.

São disseminadas como memes, notícias fabricadas para uso de grupos extremistas.

Elas sempre foram utilizadas em campanhas políticas ou disputas, mas foi a partir de 2016, na eleição dos EUA, que elas ganharam força.

As redes sociais são campos férteis para a disseminação de boatos, fake news e as mentiras do dia a dia, principalmente depois que começou a ser utilizada de forma intensiva por políticos.

Um exemplo foi publicado pelo jornal The Washington Post, do dia 23 de janeiro de 2021. Donald Trump fez 30.573 afirmações falsas ou enganosas como presidente. Quase metade veio em seu último ano.

Deepfake

A tecnologia não para. Dia a dia vemos o seu desenvolvimento para o bem e para o mal. Nesse caso, essa ferramenta cumpre dois propósitos: o Deepfake é uma técnica que altera o visual, ou seja, altera o rosto de uma pessoa, por exemplo e faz uma montagem perfeita como se outra pessoas estivesse naquele vídeo.

De acordo com o livro Fake News: A Liberdade de Expressão nas Redes Sociais na Sociedade da Informação de André Faustino, 2019, a DeepFake apareceu pela primeira vez no outono de 2017, como um roteiro usado para gerar conteúdos adultos com troca de rosto. Depois, essa técnica foi aprimorada por uma pequena comunidade para criar um aplicativo amigável chamado FakeApp.

Com esse software a identificação das Fake News fica muito mais difícil, primeiro porque agora não são apenas fotomontagens que podiam ser facilmente identificadas, mas contam também com os vídeos e, principalmente porque muitos entendem que elas são “apenas uma forma de expressão” e, desse modo, continuam a se propagar nas redes.

Pós-verdade

Pós-verdade pode ser conceituada como afirmações, sentenças, ideologias sem qualquer lógica ou até mesmo conexão com a realidade.

Os fatos objetivos têm menor influência que os aspectos emocionais e as crenças pessoais.

As pessoas adotam essa ideologia e a repetem como um mantra sem prestarem atenção nos argumentos contrários, por mais válidos, lógicos e fundamentados que sejam, simplesmente ignoram.

Ou seja, a narrativa vale mais do que a verdade dos fatos.

Não foi à toa que a palavra pós-verdade (post-truth) foi considerada a palavra do ano (2016) na Universidade de Oxford, onde anualmente o Oxford Dictionaries, departamento da universidade responsável pela elaboração de dicionários elege uma palavra de maior destaque da língua inglesa.

Infodemia

A palavra refere-se a uma junção das palavras informação com epidemia.

A palavra infodemia se refere a um grande aumento no volume de informações associadas a um assunto específico, que podem se multiplicar exponencialmente em pouco tempo devido a um evento específico, como a pandemia atual, principalmente pelo uso das redes sociais.

Nas redes os rumores e desinformação, medos e superstições se espalham, se multiplicam por pessoas que não fazem nenhum tipo de checagem das informações.

Neste caso, pode induzir pessoas a cometerem erros que podem trazer problemas de saúde ou ampliar uma epidemia.

Conforme declarado pela OMS – Organização Mundial da Saúde, “o surto de COVID-19 e a resposta a ele têm sido acompanhados por uma enorme infodemia: um excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando se precisa”.

Alguns critérios para Identificar Mentiras

O professor Mike Caulfield, da Universidade do Estado de Washington orienta que se faça uma leitura lateral, que é a busca de outras fontes. Ele diz que normalmente se faz uma leitura vertical, em que lemos todo o texto e ficamos com apenas um lado da história. O ideal é pesquisar outras fontes, fazer novas leituras e tirar suas próprias conclusões.

Marianna Zattar apresenta algumas possibilidades de identificação de mentiras a partir das perguntas: Quem? Qual? Onde? Quando? Por quê? Como?

Quem publicou? Quem se beneficia ou pode ser prejudicado(a) com essa informação? Quem toma decisões sobre esse assunto? Quem são as pessoas chaves nesse assunto?

Qual o objetivo dessa informação? Qual é a outra perspectiva ou alternativa? Qual seria um contra-argumento? Qual é o cenário dessa informação?

Onde foi publicado? Onde estão as definições e situações similares? Onde isso foi compartilhado ou disseminado? Onde achamos mais informações? Onde essa ideia vai nos levar?

Quando isso foi publicado? Quando isso foi novo? Quando isso foi atualizado? Quando isso foi compartilhado/disseminado?

Por que essa informação foi criada? Por que isso é relevante? Por que as pessoas devem saber isso? Como sabemos que isso é verdade? Como sabemos que isso é falso? Como essa informação beneficia ou prejudica alguém?

Além disso, ainda existem os sites de checagem de notícias, como por exemplo:

www.boatos.orgwww.aosfatos.org e o www.e-farsas.com e www.lupa.com, www.fatooufake.com e outros.

Conclusão

A sociedade está muito mais interligada com o mundo tanto entre as pessoas como entre os negócios e além dessa interrelação ainda temos a polarização política que tem seu viés positivo. Hoje as pessoas sabem mais os nomes dos onze ministros do STF – Supremo Tribunal Federal do que dos onze jogadores titulares da seleção brasileira.

Em qualquer formato, as mentiras com nomes diferentes continuarão até porque sempre existiram, fazem parte do comportamento humano e da convivência em sociedade, querendo ou não.

Mas o melhor é tentar identificar e sair da bolha ou sair da caverna, conforme lembraria Platão.

De qualquer modo, é sempre bom lembrar que aquilo que você posta nas redes sociais pode ser “guardado” por interessados e usado no futuro contra você.

Além disso, quando você dissemina mentiras nas redes sociais você perde credibilidade e a verdade sempre aparece.

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