Conhece o mundo BANI? Não? Será que há o risco de não acompanhar o novo normal?
Prof. Dr. Antonio Celso Ribeiro Brasiliano,
CEGRC, CIEAC, CIEIE, CPSI, CIGR, CRMA, CES, DEA, DSE, MBS
Doutor em Ciência e Engenharia da Informação e Inteligência Estratégica pela
Université Paris – Est (Marne La Vallée, Paris, França); presidente da Brasiliano INTERISK.
19/01/2021
O mundo nunca foi tão digital como agora, tudo gera dados e muitos! A era dos dados gerou um ambiente de informação – e a Internet das Coisas – IOT – tem um papel extremamente motriz neste contexto.
Esse ecossistema é responsável pela aceleração do ritmo da evolução tecnológica, amplificando o acesso à tecnologia, encurtando de forma drástica o ciclo das transformações.
Com estas disrupções constantes e a chegada da pandemia COVID-19, o conceito de mundo VUCA - mundo Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo, conforme se refere o acrônimo em inglês, voltou com força total, com muitos gestores e empresários rápidos ao lembrarem dessa denominação, que por muito tempo foi utilizada para aconselhar empresas a se desenvolverem e navegarem em um cenário de completa névoa.
Quando falamos sobre o mundo VUCA, estamos nos referindo a um termo criado no final dos anos 80. A pandemia mostrou que a estratégia VUCA foi insuficiente perante as contingências que se apresentaram, uma vez que poucas empresas estavam verdadeiramente prontas para o que aconteceu - mostrando que o VUCA poderia ser uma ideia datada. Será?
Histórico do Termo VUCA
Dr. T. Owen Jacobs, psicólogo, que pesquisou e ensinou de 1974 a 2005, quando atuou no Instituto de Pesquisa do Exército Americano e ministrou cursos no War College sobre as questões ligadas ao comportamento da liderança estratégica, pensamento criativo e crítico, foi quem cunhou pela primeira vez o termo VUCA – Volatidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade. Suas pesquisas focaram sobre os requisitos do desempenho estratégico dos líderes em situações incertas e voláteis, com o objetivo de identificar e desenvolver habilidades necessárias para a liderança estratégica do Exército Americano. O Dr. Jacobs pesquisou e coletou dados sobre as conexões entre personalidade, habilidades interpessoais e habilidades que levavam a um grau de eficácia do líder nos ambientes, que poderiam reproduzir as incertezas do campo de batalha e dos contextos que os generais teriam que enfrentar como comandantes de tropas de ocupação em territórios, áreas e ou países hostis. O Dr. Jacobs montou um processo de avaliação para identificar especificamente os principais atributos de liderança que prevêem o sucesso do líder. Os atributos avaliados são projetados para permitir a descoberta de necessidades específicas de desenvolvimento no nível médio, superior e executivo, e, são considerados altamente preditivos (que se pode predizer, prever por antecipação, com antecedência) para o futuro sucesso da liderança estratégica.
Dr. Jacobs publicou no War College, como professor de Liderança Estratégica, o livro intitulado The Competitive Edge. Neste livro o professor descreve o ambiente externo como preenchido de “volatility”, “uncertainty”, “complexity” e “ambiguity”, tendo o acrônico de VUCA. Enfatiza que o ambiente da era da informação, com um volume muito grande, está repleto de VUCA, fazendo com que a liderança que se descuidar e/ou não tenha rigor para entender o ambiente, possivelmente não conseguirá antecipar as mudanças e nem gerenciar riscos emergentes. Este é o desafio da liderança estratégica.
Escreve ainda que os líderes do século XXI devem se aproximar desse conceito com inteligência, energia e senso de urgência, confiante de que essas realidades e as complexidades podem ser facilmente transformadas em uma vantagem competitiva quando viradas contra os inimigos da nação. Dada a extensão de suas responsabilidades e os efeitos da expansão de suas decisões, os líderes estratégicos devem considerar uma grande variedade de fatos, influências e atores. Dizer que a eles que devem considerar que tudo pode ser apenas um ligeiro exagero, seria uma falta de visão holística. Aqui reside o ponto principal. Já comentava o Dr. Jacobs, que com grande volume de informações, fluxo em alta velocidade, tempo limitado e conhecimento finito, líderes efetivos devem, literalmente, decidir nos pontos focais, nos pontos que realmente darão retorno e eficácia na ação. Ou seja, a liderança estratégica deve determinar quais elementos do seu ambiente são mais importantes para uma situação particular ou decisão e, em seguida, concentrar sua atenção e esforços neste ponto.
Líderes estratégicos e estrategistas devem entender, interpretar e dominar o denominado ambiente VUCA!
Jacobs sugere que os líderes não podem alcançar um conhecimento completo sobre todo o contexto que incidem nas decisões estratégicas. O verdadeiro líder estratégico irá tomar decisões na maioria das vezes sem ter a imagem do quadro todo, pisando na incerteza. Isto não é novo, Clausewitz, o General Prussiano, que escreveu o Tratado chamado “Da Guerra” e que foi prisioneiro de Napoleão, já insistia que o Comandante Estrategista teria que ter sempre como amante a incerteza.
Por que isso? Porque o líder estratégico, tendo em vista sua posição, terá que tomar decisões, decisões rápidas e precisas, mesmo no ambiente VUCA, sem enxergar com clareza todas as variáveis. Para responder ao desafio do Mundo VUCA, primeiro devemos entender as implicações básicas dos seus termos:
- Volatilidade: a taxa de mudança do meio ambiente. Volatilidade na era da informação significa que mesmo os dados mais atualizados podem não fornecer um contexto adequado para a tomada de decisões. Além da capacidade de avaliar com precisão o ambiente atual, os líderes devem antecipar, mudar e fazer o seu melhor para prever o que pode acontecer dentro do escopo de tempo de um projeto, programa ou operação. Na verdade, este conceito está nos dizendo de forma clara, visando não perder a janela de oportunidade, que o ótimo é inimigo do bom. Ou seja, não adianta elaborar um ótimo projeto de lançamento de um produto, se a concorrência lançou na frente. Perdeu-se a oportunidade de ser o primeiro ou pioneiro. Volatilidade no meio ambiente inserido no contexto da era da quarta revolução industrial, cria um desafio especial para líderes estratégicos e toda sua equipe de suporte.
- Incerteza: a incapacidade de conhecer tudo sobre uma situação e a dificuldade de prever a natureza e efeito da mudança (o nexo de incerteza e volatilidade). Incerteza, na maioria das vezes, atrasa os processos de tomada de decisão e aumenta a probabilidade de divergir muito de opiniões sobre o futuro. Isso impulsiona a necessidade de o líder estratégico possuir uma gestão inteligente de riscos, abrangendo tanto as estratégias como as operações.
- Complexidade: a dificuldade de compreender as interações de múltiplas partes ou fatores e de prever os efeitos primários e subsequentes de mudar um ou mais fatores em um sistema altamente interdependente, interconectado. A complexidade difere de incerteza, pois a interconectividade entre as inúmeras variáveis torna o contexto muito mais complexo. Embora possa ser possível prever resultados imediatos de interações únicas e ou lineares. O desafio é que hoje as variáveis não fazem mais interações únicas, mas sim múltiplas, não lineares que se multiplicam tão rapidamente que acabam tendo um resultado exponencial. Complexidade poderia ser resumido em criar incerteza devido ao grande volume de possíveis interações e seus resultados.
A figura abaixo, representa o Mapa de Interconectividade entre os Riscos Globais. A complexidade da verificação e medição das consequências só é possível pelo mapa da interconetividade entre os riscos. A fotografia da motricidade dos riscos faz com que as lideranças empresariais enxerguem quais são os riscos sistêmicos, ou seja aqueles que influenciam um grande número de riscos, tornando-os estratégicos seu tratamento ou monitoramento.
Figura 1: Matriz de Interconectividade entre os riscos globais.
Fonte: 15º Relatório de Riscos Globais do Fórum Mundial 2020
A pandemia COVID-19, está prevista, como doença infecciosa, e no relatório disserta que se houvesse uma pandemia, grande parte dos Sistema de Saúde dos países, incluindo os do primeiro mundo, não iriam suportar a demanda. Ou seja, iriam a falência. Além do que a doença infecciosa, era considerada um risco motriz, com grande força de influência em todos os contextos dos países.
Este relatório foi publicado em 08 de janeiro de 2020, o que evidencia o negacionismo dos governantes e orgãos de inteligência de quase todo o globo.
- Ambiguidade: descreve um tipo específico de incerteza, que resulta de diferenças na interpretação de cada líder estratégico, quando pistas contextuais são insuficientes para esclarecer o significado. Ironicamente, “Ambíguo” é um termo ambíguo, cuja definição muda sutilmente dependendo da contexto de seu uso. Para os nossos propósitos aqui, refere-se à dificuldade de interpretar o significado quando o contexto é míope, borrado por fatores como cegueira cultural, viés cognitivo ou limitação perspectiva. No nível estratégico, os líderes geralmente podem interpretar legitimamente eventos em mais de uma ótica , elevando para o nível alto a probabilidade de uma má interpretação. Por esta razão é que os líderes devem sempre identificar quais são as incertezas críticas que colocam em exposição os propósitos de suas organizações. Sugerimos que utilize dois critérios, um é o impacto potencial no propósito e o outro é a probabilidade desta incerteza não acontecer. O foco será nas maiores incertezas, ou seja maiores probabilidades de não acontecerem e de maior impacto. A Matriz abaixo ilustra o quadrante estratégico que as incertezas deverão ser estudas e monitoradas.
Figura 2: Matriz de Incertezas Críticas Visando Diminuir o Nível de Ambiguidade.
Fonte: Brasiliano, Antonio Celso Ribeiro. Apostilas de Aula de Cenários Prospectivos
Organizações grandes e complexas consistem em intrincadas redes de pessoal, componentes funcionais e operacionais. Alcançar Objetivos organizacionais, exige que esses componentes devam funcionar juntos e interagir com entidades igualmente complexas.
Um líder estratégico não só lidera a empresa, mas também deve representar sua empresa durante as interações necessárias com um labirinto de outras instituições que constituem o ambiente externo. Os Líderes Estratégicos devem moldar a forma e direção de suas empresas e influenciar os atores para que se esforcem na conquista dos objetivos. Devem colocar “coração e mentes”. Dentro do ambiente VUCA, as tarefas devem ser realizadas de forma colaborativa e não através do esforço individual. Portanto a colaboração e a criação em conjunto, são insumos essenciais para o sucesso das empresas.
A figura abaixo resume o posicionamento do Mundo VUCA:
Figura 3: Mundo VUCA – Reações dos Líderes .
Fonte: Brasiliano, Antonio Celso Ribeiro. Apostilas de Aula de Gestão de Riscos
O que o mundo VUCA nos diz é que estamos saindo de um mundo de problemas que são resolvidos de modo cartesiano, linear, onde tudo é uma questão de análise e eliminação da incerteza para um mundo de dilemas. Mundo esse em que se exige paciência e engajamento com a incerteza, bem como orientação, processo de decisão e uma visão de perspectiva do futuro.
O COVID-19 mudou está ótica
A pandemia mostrou que a estratégia VUCA foi insuficiente perante as contingências que se apresentaram, uma vez que poucas empresas estavam verdadeiramente prontas para o que aconteceu - mostrando que o VUCA já era uma ideia datada. Assim surgiu uma nova denominação que fala do cenário atual, levando em conta as mudanças da pandemia e outras que poderão surgir: o mundo BANI.
A concepção de BANI foi proposto pelo antropólogo, escritor e futurista americano Jamais Cascio, que observou que o VUCA está obsoleta e não funciona mais em um mundo onde a pandemia está presente.
BANI quer dizer “Brittle, Anxious, Nonlinear, Incomprehensible”, ou Frágil, Ansioso, Não-linear e Incompreensível, em tradução livre.
A sigla irá fornecer a chave para a prosperidade da empresa e trazer mudanças disruptivas sob a nova perspectiva que surge em 2020.
“Um paralelo intencional com VUCA, BANI é uma estrutura para articular as situações cada vez mais comuns nas quais a simples volatilidade ou complexidade são lentes insuficientes para entender o que está acontecendo”, falou Jamais Cascio autor do conceito.
“Situações em que as condições não são simplesmente instáveis, são caóticas; nos quais os resultados não são simplesmente difíceis de prever, e sim completamente imprevisíveis. Ou, para usar a linguagem particular desses frameworks, situações em que o que acontece não é simplesmente ambíguo, é incompreensível.”
Curiosamente, o Jamais Cascio propôs o novo conceito de BANI no evento 2018 no Institute for The Future (IFTF) há três anos (bem antes do início da pandemia), mas já há sinais de um novo comportamento. Ele acredita que agora não vivemos mais no mundo VUCA, mas no mundo BANI. A pandemia acelerou essas ações.
Vamos compreender o conceito BANI
Os quatro conceitos do BANI estão claramente interconectados. Sistemas complexos e fortemente conectados são frequentemente frágeis e não lineares, o que por sua vez é confuso e cria ansiedade. Curiosamente, o contrário também acontece - a ansiedade nos levou a implementar muitos sistemas de segurança, mas em sistemas complexos, geralmente é o sistema de segurança que causou ou causou a falha. Vamos ver sua definição:
Brittle - Frágil
Os sistemas frágeis estão bastante suscetíveis a falhas repentinas e catastróficas. Ao contrário de resilientes, eles são quebradiços. Estes sistemas são como o vidro de um smartphone, podem ser extremamente resistentes, mas quando quebram, eles não falham gradualmente ou graciosamente, simplesmente quebram de maneira incontrolável.
Anxious - Ansioso
Atualmente em o mundo que vivemos a ansiedade está no nível mais alto de todos os tempos, e isso também não é uma novidade, assim como a depressão. Em um mundo ansioso estamos constantemente no limite, esperando as próximas notícias ruins nos atingirem, ou a próxima distopia fictícia sendo apresentado como um caminho, não apenas possível, mas provável, e com muita credibilidade. Todos os elementos do termo do Mundo VUCA também geram ansiedade.
Non Linear - Não-Linear
Pensadores estão sempre refletindo sobre e gostam muito de falar sobre crescimento ou mudança exponencial, mas em um sistema não-linear normal, a causa e o efeito estão aparentemente desconectados, e por isso não há uma melhora exponencial também. Às vezes, os dois (causa e efeito) apresentam um longo atraso entre eles - e pequenas ações tomadas, ou não, podem levar a impactos descontroladamente desproporcionais. Os seres humanos hoje, em termos técnicos, são péssimos em qualquer planejamento de longo prazo, e é por isso que agora, e pelas próximas gerações, temos que lidar com as mudanças climáticas para pior.
As variações climáticas, a pandemia e quaisquer outros ciclos de associação entre “causa e consequência” são um exemplo perfeito de como funciona um mundo não-linear.
Incomprehensible - Incompreensível
Certa vez o grande escritor e inventor britânico Arthur Clarke, autor de Uma Odisséia no Espaço, disse “qualquer tecnologia suficientemente avançada é como se fosse magia, e as coisas cotidianas agora são incompreensíveis”. Estar vivo no século XXI é confiar em inúmeros sistemas complexos e incompreensíveis que afetam profundamente as nossas vidas. Ou você sabe me explicar como funciona o algoritmo do Facebook? E como a jornalista Quinn Norton apontou “até mesmo um desktop do Windows é tão complexo que ninguém no mundo sabe realmente o que está acontecendo ali ou como”, e muito menos uma vasta rede desses computadores ou sistemas mais complicados.
Como lidar com isso
Na concepção do ator e antropólogo Jamais Cascio, a estrutura BANI oferece uma lente para ver e estruturar o que está acontecendo no mundo, e a sigla criada sugere oportunidades de resposta úteis para o mundo.
A fragilidade, de acordo com o antropólogo, pode ser enfrentada através de resiliência e liberdade; a ansiedade pode ser aliviada por empatia e atenção plena; a não-linearidade necessitaria do entendimento amplo do contexto e muita flexibilidade; e a incompreensibilidade pede transparência e intuição.
“Essas podem muito bem ser mais reações do que soluções, mas sugerem a possibilidade de que respostas possam ser encontradas”, comenta Jamais.
Nicholas Nassim Taleb, no seu livro Antifrágil: Coisas que se Beneficiam com o Caos, argumentou que deveríamos desenvolver sistemas antifrágeis sempre que possível. Quando não for possível, então a melhor opção seriam sistemas resilientes que falham normalmente. Porém, ao invés disso, em nossa incessante busca por eficiência, também estamos desenvolvendo e impulsionando sistemas frágeis. Com tecnologias como IoT (Internet das Coisas), estamos criando mais sistemas acoplados às nossas vidas, estes são inerentemente perigosos e complexos. E se falham, tende a ser muito mais problemático, beirando o caos.
Figura 4: Mundo BANI – Situações Caóticas – Reações Extremas.
Fonte: Brasiliano, Antonio Celso Ribeiro. Apostilas de Aula de Gestão de Riscos
Conclusão
A conectividade já existia, apenas de forma diferente. Isto é irônico, pois o esforço para conectar tudo com tudo é brutal. Não existem respostas rápidas e fáceis, mas sim respostas construtivas e estas demandam estudo e tempo.
Por mais que utilizar o modelo do Mundo VUCA nos permita navegar com sucesso no ambiente atual, identificar alguns desses direcionadores do Mundo BANI nos permite dar os primeiros passos para mudar o ambiente. Aliás, o BANI pode até parecer mais assustador que o VUCA, em primeira vista, mas ele pode ser responsável por impulsionar a ação.
Está aí mais um conceito. Minha pergunta para você leitor:
É VUCA ou BANI?
O risco da escolha é nosso. Ou podemos fazer uma simbiose? Nossa ação é optar ou integrar. O tempo dirá!!!