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Âncora 1

FRAUDE

Impactos das fake news como instrumento
de manipulação

Cláudio dos Santos Moretti, CES, ASE
Diretor da CSM – Consultoria e Treinamento
em Segurança Empresarial | claudio_moretti@uol.com.br

19/01/2021

As fake news ou notícias falsas não são uma novidade. Nem mesmo quando Donald Trump disse que teria criado a expressão em 2017, porém logo foi desmentido pelo dicionário Merriam-Webster no qual consta a expressão desde o final do século XIX. No entanto, na eleição americana em 2016, ela sem dúvida se popularizou.

Além disso, os meios digitais disponíveis acabaram por difundir ainda mais as “fake news”, como também eram denominados os boatos de grande circulação, antes do século XIX.

Hoje a facilidade da propagação de tantas notícias falsas alcança grande número de pessoas, que, em muitos casos, acabam repassando essas informações sem a devida precaução, impactando na imagem, reputação, saúde e segurança, entre outras coisas, de pessoas comuns, políticos e celebridades e até de empresas e países.

Pessoas que jamais poderíamos imaginar que espalhassem notícias falsas de maneira proposital, não por ser quem elas são, mas pelo cargo que exercem.

De acordo com o jornal The Washington Post, no dia 23 de janeiro de 2021, Donald Trump fez 30.573 afirmações falsas ou enganosas como presidente. Quase metade veio em seu último ano. Não há limites. Na verdade, o limite é a imaginação das pessoas.

Mas, por que alguém inventaria uma história para prejudicar outra pessoa, empresa, instituição ou país?

Algumas pessoas criam essas notícias por uma ideologia, outras por vingança ou ainda por motivos pecuniários, entre outros.

Além disso, a própria polarização iniciada de forma mais intensa a partir de 2014 no Brasil entre esquerda e direita, que nem sempre é uma questão totalmente ideológica, mas que as pessoas conseguem se manifestar com o fígado, mesmo contrariando suas próprias ideias de política pública, simplesmente para apoiar um ou outro lado.

Mesmo nos grupos de WhatsApp de profissionais de segurança ainda é comum a divulgação de notícias falsas. As pessoas apenas repassam sem nenhum critério, acreditando serem verdadeiras, ou pior, sabendo serem falsas.

A disseminação de notícias assim indica o despreparo do profissional ou que o emissor pode agir de maneira enganosa com colegas.

É claro que quem dissemina mensagens mentirosas perde a credibilidade e pode comprometer sua imagem e reputação.

Depois de identificar algumas notícias falsas difundidas por uma pessoa, você perde a confiança em tudo o que ela fala, posta ou escreve. Ou seja, o ato pode tornar-se um problema sério. Se essa pessoa representa uma empresa, é ainda pior, pois mancha a imagem e reputação da empresa.

Para esclarecer melhor esses conceitos, vou usar, primeiramente, o livro de Fernanda de Carvalho, Francisco Britto e Richard House, chamado "Marca, Imagem e Reputação - a trajetória de sucesso de  pessoas e empresas (2012)":

“Imagem é como as pessoas veem a empresa, independentemente da comunicação, é como ela é vista pelas pessoas. A reputação é o que os mais diversos públicos pensam e sentem sobre uma pessoa ou empresa com base em informações (ou pior, desinformações) que acumulam durante um maior espaço de tempo, resultado das diversas iniciativas percebidas ou registradas... A reputação é a soma das opiniões que todos os públicos (stakeholders) têm sobre uma determinada pessoa ou empresa”.

Mário Rosa, autor do livro “A Reputação na velocidade do pensamento – imagem e ética na era digital (2006)”, traz na publicação conceitos muito parecidos quando diz que reputação é percepção: 

“confiança tem muito a ver com as suas atitudes concretas e objetivas sim, mas tem muito a ver também com a percepção dos outros em relação a elas, especialmente quando há a necessidade de interagir com públicos variados”.

Em relação à imagem: 

“é a que o outro vê! Não basta agir de maneira correta, se essa correção não for percebida pelos outros. Nossa imagem, nossa reputação, não é a que transmitimos, mas é, sobretudo, aquilo que o outro vê em nós”.

Com conceitos muito parecidos, podemos imaginar o que ocorre quando alguém identifica uma mentira dita, ou melhor, nesse caso, postada pelo profissional de qualquer área. 

Lembremos que houve casos recentes de falsificação de currículo de cidadãos com grande notoriedade e conhecimento em suas áreas de atuação, mas que mesmo assim, resolveram “rechear” os seus currículos. Uma vergonha que deve atingir até seus familiares. Sim porque eles têm filhos, esposa(o) e parentes que admiravam suas conquistas e que sentirão essa quebra na imagem e reputação. 

O pior de tudo é que não haveria nenhum tipo de mudança no conceito do profissional, caso não houvesse o tal “recheio”, pois é, o ser humano é imprevisível!

Existem vários casos de homens e mulheres que fingiram ter uma determinada condição para exercer uma determinada função e que obtiveram êxito por falhas na segurança na hora da contratação.

Mentir no currículo é muito mais comum do que podemos imaginar. Se a empresa não possuir uma boa política de segurança que oriente as ações do setor de gestão de pessoas, pode acabar contratando profissionais errados e desqualificados. 

Veja o exemplo do falso coronel do Exército Brasileiro: Carlos da Cruz Sampaio Júnior, que nunca foi militar, mas que em 2010 chegou a atuar diretamente no planejamento, treinamentos da Polícia Militar do Rio de Janeiro e alcançou o cargo de coordenador da subsecretaria de Planejamento e Integração Operacional da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro.

Lembrando que o Due Diligence é previsto no Decreto 8.420/15 que regulamenta a Lei 12.846/13 (lei anticorrupção) e estabelece que a empresa deve ter um programa de Integridade (Compliance) e, nesse caso, podemos acrescentar o Due Dilligence nas contratações, evitando com isso problemas futuros.

O Due Diligence é uma terminologia utilizada para se referir ao processo de busca de informação sobre uma empresa ou pessoa. É o levantamento para, por exemplo, identificar se o candidato realmente possui as qualificações que ele diz ter.  

Apenas para se ter uma ideia, no caso do falso Coronel do EB, a consulta ao Exército foi respondida no mesmo dia, porém, foi realizada bem depois que ele se apresentou na Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, na época como Major, que depois se promoveu.

Entretanto, as notícias falsas, principalmente no meio político possuem enormes variantes. Veja o que foi citado no livro de Romeu Tuma Junior: “Assassinato de Reputações – um crime de Estado”, de (2013). Lá ele demonstra como são tratados os desafetos políticos e os empresários incômodos ao governo Lula e a forma de abalar a reputação destes. Com uso de vazamentos de informações falsas junto à outras verdadeiras, provocando a desinformação em jornais e noticiários de TV.

Na área política, o campo é fértil. Outro livro que retrata o quanto boatos falsos podem atingir famosos é do Mário Rosa: “A Era do Escândalo (2003)” sobre a atriz Glória Pires, seu marido Orlando Moraes e a filha, também atriz, Cléo Pires. Esta fake news surgiu a partir de uma notícia na rádio na qual uma “apresentadora” entrevistava um falso enfermeiro. Note como o público pode ser manipulado por meio das redes sociais, por exemplo.

Muitos devem ter assistido ao documentário da Netflix “Privacidade Hackeada”, que mostra como indivíduos podem ser conduzidos a partir das suas próprias postagens e likes em notícias e publicações que você gostou.

Além disso, você aceita as exigências do programa, as quais permitirão a coleta dos seus dados pela rede social ao aceitar os termos de uso para participar dela. Os proprietários do programa podem, inclusive, vender esses dados para anunciantes, os quais poderão criar propagandas especialmente para você com base nas suas “curtidas” em outras postagens.  

Em 2018, começaram a surgir investigações, quando a empresa Cambridge Analytica, que é o pano de fundo do documentário, apareceu como responsável pela manipulação de dados colhidos no Facebook, de acordo com o documentário, o controle e o uso indevido desses dados poderiam ser responsáveis em ajudar na eleição do EUA, favorecendo o então candidato, Donald Trump, em 2016.

Um “piloto” foi feito em Trindade e Tobago que é uma nação caribenha composta por duas ilhas, perto da Venezuela. A Cambridge Analytica foi contratada pelo partido da comunidade indiana para eleição da Câmara dos Representantes. 

A estratégia foi criar uma campanha que ficou conhecida como “Do So”, que demonstrava repúdio ao ato de fazer política e que não se deveria participar das eleições, não indo as votações.

A campanha da Cambridge Analytica foi realizada a partir de perfis falsos criados na Internet. Ela viralizou com uma série de ações de usuários que acreditavam naquilo que consumiam na web. 

O ocorrido desencadeou o surgimento de líderes, comícios e até dancinhas para emplacar o intento da “não votação’’. Com foco nos eleitores negros e jovens, a empresa conseguiu diminuir o número desses eleitores e indianos. Pela primeira vez, conseguiram a maioria na Câmara dos Representantes, equivalente ao que seriam nossos deputados aqui no Brasil.

O quanto o Big Data da Cambridge Analytica influenciou nos resultados desta eleição, na Brexit do Reino Unido e outras? Esse é um exemplo de como as redes sociais podem nos influenciar e nos direcionar, manipulando mentes e votos.

Estamos vendo a onda de “não vacina” que ocorre no Brasil e, talvez, seja bom pensarmos nisso também. A Internet é a grande difusora de informações e mentiras. Não foi à toa que a palavra pós-verdade foi considerada a palavra do ano (2016), na Universidade de Oxford.

Editado pela universidade britânica, anualmente a Oxford Dictionaries, departamento da universidade de Oxford, responsável pela elaboração de dicionários, elege uma palavra de maior destaque da língua inglesa. 

O termo de 2016 foi a “pós-verdade” (“post-truth”). Pós-verdade pode ser conceituada como afirmações, sentenças, ideologias sem qualquer lógica ou até mesmo conexão com a realidade.  Os fatos objetivos têm menor influência que os aspectos emocionais e às crenças pessoais.
 

As pessoas adotam essa ideologia e as repetem como um mantra sem prestarem atenção nos argumentos contrários por mais válidos, lógicos e fundamentados que sejam, simplesmente ignoram.

Também não se preocupam em checar as fontes, repassando quase que instantaneamente e difundindo uma mentira que pode prejudicar uma pessoa ou uma empresa, tanto faz.

Conheça as características da pós-verdade

Elas sempre trazem alguma esperança, oferece consolo, resolve problemas complexos com soluções simplistas. Além disso, são:

a) Uma população que cada vez mais se informa por meio de redes sociais sem contato com as fontes originais; 

b) A acirrada polarização política; 

c) A rapidez da propagação; 

d) O interesse ideológico, econômico, em maximizar a distribuição: pronto! Estão fornecidas as condições para engrossar o caldo da desinformação.

A Internet é um espaço no qual a opinião de um renomado pesquisador, doutor em virologia com anos de experiência prática e acadêmica perde para o “tiozão” do WhatsApp, que nunca completou o segundo grau de escolaridade e discorda “violentamente” do doutor, tendo seu vídeo compartilhado aos milhões. 

Tal realidade pode ser causada pelo fenômeno descrito e estudado, em 1999, pelos psicólogos Justin Kruger e David Dunning da Cornell University, que ficou conhecido como efeito Dunning-Kruger.  O estudo diz que: “a ignorância gera confiança com mais frequência do que o conhecimento”.  O trabalho dos psicólogos faz referência aos indivíduos que não têm competência numa determinada área, mas acreditam verdadeiramente que sabem mais do que os mais preparados e estudiosos sobre o tema.

O resumo das pesquisas foi publicado no “Journal of Personality and Social Psychology”,  que de forma simplificada,  mostrou que para estarmos cientes da nossa própria ignorância sobre um tema, temos que ter um mínimo de conhecimento sobre ele. Só assim é possível identificar nossas dúvidas e as lacunas em nossa compreensão, ou seja, quanto menos uma pessoa sabe mais ela acha que sabe. Por isso, vemos tantas soluções simples, por exemplo, para acabar com a Covid-19 em vídeos compartilhados por motoristas de UBER e youtubers. 

A responsabilidade é de todos nós já que no dia a dia compartilhamos notícias sem nos preocuparmos com as consequências, pois as notícias podem ser falsas, mas o efeito é real.

Para concluir, gostaria de deixar uma breve reflexão, que foi atribuída ao escritor e professor americano William Hersey Davis (1887 - 1958). Ele aborda sobre caráter e reputação:

“As circunstâncias em que você vive determinam a sua reputação; a verdade em que você acredita determina seu caráter. A reputação é o que se supõe que você seja; o caráter é o que você é.

A reputação é a fotografia; o caráter é o rosto. A reputação vem sobre você de fora; o caráter cresce de dentro. A reputação é o que você tem quando chega a uma comunidade nova; o caráter é o que você tem quando vai embora. A sua reputação é conhecida em uma hora; o seu caráter não aparece em um ano. A reputação é feita em um momento; o caráter é construído em uma vida. A reputação cresce como um cogumelo; o caráter cresce como um carvalho.

Uma única notícia de jornal dá a sua reputação; uma vida de trabalho dá o seu caráter.

A reputação fará você rico ou fará você pobre; o caráter fará você feliz ou fará você miserável.

A reputação é o que os homens dizem de você junto à sua sepultura; o caráter é o que os anjos dizem de você diante do trono de Deus”. 

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