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PONTO DE VISTA

Risco político no Brasil: teste de resiliência e ética usando como reflexão a fábula do “Anel de Giges”  

Antonio Celso Ribeiro Brasiliano, CEGRC, CIEAC, CIEIE, CPSI, CIGR, CRMA, CES, DEA, DSE, MBS

18/02/2021

O ano de 2021 é, e será decisivo para que Bolsonaro possa tentar a reeleição. É uma condição sine qua non para ser competitivo. Mesmo que a vacinação seja operacionalizada com sucesso, o que não acredito, seus resultados só serão sentidos na população a médio prazo. Caso o auxílio emergencial não saia para os mais vulneráveis, a tendência é sua popularidade cair.

Ainda que as presidências da Câmara e do Senado estão agora nas mãos de seus aliados políticos, não é garantia, se não houver articulação política pelo próprio presidente da República, que haja aprovação das reformas estruturantes.

O “Anel de Giges” é uma fábula, relatada no livro “A República”, cujo autor é Platão. Nesta história, um camponês encontra um anel que lhe dá o poder da invisibilidade. Ele pode, portanto, atuar sem censuras sociais e violar a lei sem ser punido. Ética é o tema central. O “Anel de Giges” virou livro também. O autor é o economista e professor, Eduardo Giannetti, que lançou a publicação em 2020, pela Cia das Letras. Nela, Giannetti conta como diferentes correntes de pensamento abordam as respostas do homem para a certeza da impunidade. É uma reflexão a psicologia moral dos homens!   

Bolsonaro eleito com 57 milhões de votos prometeu implantar uma agenda liberal sem iniciar qualquer tipo de programa. Sabotou a reforma da previdência, que foi aprovada de modo extremamente enxuto tendo em vista à proposta original. A reforma tributária é inócua, a administrativa, que pode atrair investimentos, foi esvaziada pelo próprio presidente da República, que é contra as privatizações e realiza ainda ingerência nas estatais. 

Perdeu uma grande oportunidade de cumprir com suas promessas de campanha. Ficou paralisado nesses dois anos de governo, culpando o legislativo e parte do judiciário. Não concordo, foi puro imobilismo e letargia. Visando 2022 fez do Presidencialismo de Coalização, toma lá dá cá, que condenou veementemente em sua campanha, a troca de benefícios com o Centrão.

Teremos a dança das cadeiras de ministérios ou até a criação de alguns outros, sem falar nas verbas extraordinárias que teve que despender para alinhar as votações na Câmara e no Senado. 

Fez campanha contra o isolamento, uso da máscara e da vacina. Agora, teve que recuar e pedir à China os insumos necessários. Porém, por causa da sua teimosia e olhar mais obtuso, não temos vacinas suficientes. Pior: se tivéssemos, não teríamos agulhas e seringas. Temos mais de 234 mil brasileiros mortos nesta pandemia. Um número grave pela falta de articulação com governadores.    

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Nossa economia vai mal, o número de desempregados bate recorde. Porém, sua popularidade ainda continua bem, apesar da queda que sofreu após o corte do auxílio emergencial e demais medidas protetoras da economia popular na pandemia. Neste aspecto, é provável que o Congresso Nacional aprove algum tipo de pacote para recriar o auxílio emergencial.

A resiliência por parte do governo federal serão as investidas de seus adversários políticos, pois com um leque de fragilidades, bastam que tenham boas articulações e união para centrar fogo cerrado no objetivo maior: a reeleição 2022.  

Enxergo o Brasil, em termos de padrões éticos, como se estivéssemos vivendo ainda no século XVIII. Parece que estamos diante do regime pré-revolução francesa, em que uma classe de pessoas poderosas e famosas se sente acima dos demais e acredita que pode, impunimente, transgredir normas e leis que regem a sociedade. Pensei e sonhei, que a Lava Jato poderia modificar esse cenário. Contudo, foi apenas um sonho. O Brasil retrocedeu anos com o fechamento da Lava Jato. Uma lástima e um grande equívoco. Daí, vem minha analogia com a fábula do “Anel de Giges”. 

Conforme relatei em parágrafos anteriores, o “Anel de Giges” é uma fábula relatada no livro “A República”, de Platão. A fábula é para verificar as atitudes dos seres humanos, frente a impunidade. É uma reflexão. O livro de Giannetti não fala do Brasil. Fiz esta analogia diante da experiência de um cidadão brasileiro, Eduardo Giannetti, que revela:  “percebe como a ética é talvez o fulcro maior das nossas dificuldades”, declarou Giannetti numa entrevista para o Jornal Estado de São Paulo.

A fábula aborda o camponês com o poder da invisibilidade e livre das punições previstas na sociedade. Giges, o camponês, seduz a rainha, mata o rei e se apossa do trono. A questão descrita no livro da República, é qual seria a nossa conduta: seríamos um “Giges – sem – lei”? Age de forma desmedida, com base na sua intuição e ambição? Ou seria um “Giges – cristão” ou “Giges – guardião?” Um Giges que se abstém de usar o anel por ser livre de tentações. O livro de Giannetti foca muito nos elementos antissociais da psicologia humana: agressividade, sexualidade abusiva, desejo de tirar proveito sem se preocupar com os outros. Passa pela filosofia moderna, como Hobbes, Rousseau e reaparece nas obras de Freud. O “Giges – sem – lei” que trata os outros de forma puramente instrumental e calculista, termina solitário. Cria um deserto a sua volta. É um manipulador. Giannetti procura mostrar que está felicidade é limitada. Na entrevista, que concedeu ao jornal O Estado de São Paulo, admitiu que o brasileiro é um “Giges – sem – lei afetuoso”, mais passional e menos calculista. 

O livro de Giannetti descreve ao longo de seus capítulos uma série de experimentos, pesquisas, indo desde o personagem de Machado de Assis, Brás Cubas, no livro “Memórias Póstumas” no qual o personagem acha uma moeda de ouro com um pacote, na rua. A grande questão é: devolve ou não devolve? Outro experimento descrito são carteiras abandonadas, algumas com dinheiro outras sem, mas todas com documentos, cartões de crédito e o cartão de visitas do “dono” da carteira. A questão novamente é devolve ou não para seu proprietário, sabendo quem é o dono. “Carteiras polpudas, consciências apaziguadas”. Será?  

No capítulo 28, chamado de Experimentos Naturais de Impunidade, Giannetti faz uma descrição que me chamou atenção: 

“As ruas de Nova York foram palco inadvertido de um vasto experimento de impunidade legal. Entre outras regalias, os 1,7 mil diplomatas de 146 países da ONU (87% dos diplomatas residiam perto do Edifício Sede da ONU) detinham um singular privilégio. Graças a sua imunidade diplomática, os seus carros, identificados com a placa D sem nome do país, podiam estacionar em locais proibidos sem que o não pagamento das multas gerasse nenhum tipo de punição, incluindo o guinchamento do veículo. A regra foi válida até 2002, quando NY promulgou uma lei retirando esse tipo de privilégio. Resultado da pesquisa: entre 1997 até 2002, as multas de carros de diplomatas foram de 150 mil multas, o que soma 18 milhões de dólares. A partir de 2003, com a lei em vigor, esse tipo de infração caiu 98%”. 

Conclusão: se a punição é o preço do crime; e se o valor da punição aumenta, a incidência do crime cai. Outro dado revelado importante: o número de multas por veículo de diplomata, no período avaliado – 1997/2002 – foi de 7,5 multas por automóvel. Mas variou acima de cem por diplomata de países como Kuwait, Egito, Sudão, Bulgária, entre outros. E a zero para Austrália, Suécia, Colômbia, Japão, entre outros.

Conclusão: nem todos os diplomatas reagiram de modo igual, como prevê a escolha racional, aos privilégios. Portanto, a rigorosa aplicação da lei nos dá uma direção, que não é única, de que “os diplomatas trazem com eles para NY as normas sociais ou a cultura de corrupção da nação de origem.” 

“A certeza da impunidade permite que aflore o grau de enraizamento do compromisso ético ou a falta dele. A adesão às normas e o respeito às leis, mesmo em ambientes de segura impunidade, depende, se a consciência é aquela voz interior que nos alerta de que algo não é certo e alguém pode estar olhando, a começar por nós mesmos, e isso mesmo quando temos certeza de que não há ninguém olhando, exceto nós mesmos, então o Giges nunca está só. Mesmo invisível ele não foge de si. O crime responde a consciência.”

Pergunta para a reflexão: o governo Federal, incluindo os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, possuem enraizados as crenças e valores éticos para fazer cumprir com as promessas de campanha, normas e leis em vigor, pensamento coletivo ou simplesmente irão ser o “Giges – sem – Lei”?

Você leitor, decida e reflita com seriedade, para o bem do nosso Brasil.     

Boa Leitura!

 

Antonio Celso Ribeiro Brasiliano

Publisher da Revista Gestão de Riscos e Presidente da Brasiliano INTERISK

abrasiliano@brasiliano.com.br

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