RIO DE JANEIRO PEDE SOCORRO:
QUE BRASIL É ESTE?
Prof. Dr. Antonio Celso Ribeiro Brasiliano, CIGR, CRMA, CES, DEA, DSE, MBS
Doutor em Science et Ingénierie de L’Information et de L’Intelligence Stratégique, pela
Université East Paris - Marne La Vallée – Paris – França, é presidente da Brasiliano INTERISK.
abrasiliano@brasiliano.com.br
É função primordial do Estado assegurar a integridade física dos cidadãos e de sua família, assim como de seus bens. Se renunciam à autodefesa no uso indiscriminado da violência, é para que dela sejam resguardados. Os cidadãos não podem e nem devem viver sob o medo, como hoje é na maioria das grandes cidades brasileiras, onde as pessoas nem mais podem caminhar livremente pela rua. Sair de casa, virou uma verdadeira aventura, atividade de alto risco. Uma situação desse tipo é inaceitável, é uma vergonha para nós brasileiros, pois nos coloca em um país de quinto mundo!!
Nota: peço desculpas aos leitores, mas esta edição, resolvi transformar este ponto de vista em um artigo. A decisão se baseou na importância do tema, pois considerei que se fizesse um ponto de vista e depois um artigo poderíamos perder a linha de raciocínio. Espero que gostem, reflitam e ajam!
Na Edição da Revista Exame, número 1156 de 07/03/2018, saiu uma série de índices que ficamos de boca aberta, por exemplo somos o 41º em um ranking de 205 países, onde as prisões são superlotadas. O Haiti está em 1° e pasmem Venezuela, sim Venezuela do Maduro, em 49º. A média de resolução de casos de homicídios da Polícia Brasileira é de 20%, Estados Unidos 64%, Canadá 80%, Inglaterra 81%, Japão 95% e Alemanha 96%. Estes e mais outros são simplesmente vexatórios. Não entendo como os ministros possuem a cara de pau de virem a público tentar explicar o inexplicável!
Outro problema crônico é a nossa cidade maravilhosa do Rio de Janeiro, um caso emblemático e sui generis. Talvez nem seja o mais importante e ou violento, mas é o mais estratégico e o que chama mais a atenção de todas as mídias nacionais e internacionais. É uma verdadeira caixa de ressonância, ou seja, tudo que acontece no Rio possui uma reverberação muito forte, com consequências exponenciais negativas para a imagem do Brasil.
O melancólico disso tudo é que ninguém faz nada direito, com uma vontade real de resolver o problema. De entender as causas raízes e de fato atacar. Hoje vivemos a intervenção do Exército, que na minha opinião teria que acontecer para que a escalada de violência desse uma refreada, além de uma higienização nas cúpulas das organizações policiais.
O governo federal, na figura do presidente da república, dá com uma mão e tira com a outra, pois onde já se viu uma tropa de intervenção sem poder de polícia? Sem a segurança jurídica necessária para o engajamento com os criminosos? Há alguns dias, logo no início da intervenção, na Globo News, o General Quatro Estrelas, Augusto Heleno, Primeiro Comandante das Tropas Brasileiras do Haiti e meu instrutor como Capitão na AMAN, discorreu corretamente que faltava a segurança jurídica e protocolos de engajamento (situações onde a tropa, sob a ordem do comandante da ação poderá atirar, inclusive com a intenção de matar) para dar a segurança necessária aos militares, o que está corretíssimo. Porque? Não tem cabimento, é simplesmente ridículo para o Brasil o desfile, este é o nome mais apropriado e debochado, devasso, depravado e zombeteiro que encontro para descrever os traficantes e criminosos com fuzis, pistolas, granadas, lança foguetes, a tiracolo mostrando para todos verem seu “poderio” de fogo. Ridículo com a posição do cidadão, que se sente ofendido em suas entranhas.
O sucesso da Intervenção, e torço muito para que os resultados surjam, que sob meu ponto de vista dependem dos seguintes fatores de riscos motrizes:
1. Flexibilidade para a tropa: regras de engajamento, com ordem de atirar para matar quem estiver portanto arma de fogo com atitude hostil e de calibres de guerra. A atitude é extrema sim, mas a situação de hoje também é. Portanto em situações de extremo risco, respostas de extrema contingência;
2. Mobilidade para a tropa: necessita de deslocamentos rápidos e agressivos, descidas de surpresas em áreas onde a subida a pé ou de veículos é muito demorada e serão notadas;
3. Tropas especializadas: com treinamentos especiais e direcionados, tais como forças especiais, comandos, comandos anfíbios, paraquedistas, e um ponto crucial, os integrantes não podem ser da cidade do Rio de Janeiro. Estas tropas fariam as ações pontuais de combate e destruição;
4. Inteligência: serviço essencial para levantamento de dados e informações, com sistemas de análise de riscos, garimpagem de dados, cruzamento de ligações e de pessoas, identificação de pessoas, monitoramento com drone de pontos quentes, montagem das famosas aranhas para entender a malha de cada facção e estrangular o fluxo financeiro. Sem dinheiro as facções não giram, não conseguem pagar seus fornecedores e caem pela manobra. Ou seja, uma série de ações que a Inteligência Carioca já deve possuir, basta unir, integrar e analisar. Sem a inteligência não há a eficácia da ação;
5. Combate Direto aos Corruptos das Instituições Policiais – “Banda Podre”: todos sabem quem são, onde estão e o que fazem. Há o silêncio tácito, pois ninguém possui a percepção de segurança necessária de delatar o esquema. Tem-se que, usando as palavras de Bill Bratton, o Chefe de Polícia de Nova York, de 1994 a 1996, que reduziu a criminalidade com índices quase iguais ao da cidade do Rio de Janeiro, sem aumentar seu orçamento, disse em relação a corrupção nas instituições policiais: Alavanque os anjos e silencie os demônios, ou seja, retire de circulação a banda podre e prestigie os honestos. A diferença será no curto prazo;
6. Projetos Sociais com Universidades, Empresariado Carioca e Fluminense, Sociedade Civil Organizada: Segurança Pública não pode ser agenda de partido político, esquerda e direita. É um direito do cidadão. Há necessidade de realizar ações e programas estruturantes relevantes de resgate a cidadania nas áreas que eram dominadas pelo crime. Tem que haver um entendimento forte entre os setores públicos, privados, universidades e a sociedade civil organizada. Ponto importante é fazer com que as empresas que saíram do Rio retornem. Por exemplo na cidade Colombiana de Medellín, no pior momento, em 1991, a taxa era de 380 homicídios por 100.000 habitantes, quase três vezes a média da cidade mais violenta do mundo hoje, a salvadorenha, San Salvador. Desde então, os homicídios em Medellín caíram 90%, resultado de Política Nacional de Combate ao Narcotráfico e de iniciativas locais para investimentos na cidade.
Programas de Educação/Capacitação, Saneamento, Limpeza, Saúde, Esporte, Trabalho e Cidadania são cruciais e estratégicos para que as tropas tenham boa receptividade e passem a interagir com as comunidades. Sem isso veremos, infelizmente o que ocorreu com as UPP’s. Faliram por falta de continuidade em função da corrupção do Estado Carioca.
Como um último tópico eu investiria também fortemente, com o objetivo de:
7. Prevenir Efeitos Colaterais:
7.1 Treinamento nos protocolos de engajamento, evitando ações descontroladas e desmedidas;
7.2 Treinamento e Programa para a Tropa de aproximação com a População das Comunidades – Ação Cívico Social – Endomarketing, visando quebrar o gelo e interagir;
7.3 Treinamento de Estado de Direito para a População das Comunidades.
Estas sete ações estratégicas, são consideradas estratégicas para bloquear as causas motrizes. Porque digo isso? Uma razão muito simples, há dez anos (sim, dez anos), fiz minha tese de doutorado sobre cenários prospectivos de segurança pública e privada para a cidade do Rio de Janeiro. A minha pesquisa foi elaborar um processo de monitoramento de curto prazo, tendo em vista a dinâmica dos riscos da cidade carioca. Na época, a Brasiliano trabalhava há mais de dez anos para uma grande fabricante de bebida no Rio de Janeiro e, por esta razão, conhecíamos e tínhamos todo o processo mapeado. Sabíamos quem comandava cada morro, qual facção, o dia do aniversário, pois neste dia teria maior assalto em função da festa. Tínhamos o denominado “Corruptomêtro”, isso mesmo, o Batalhão mais corrupto, aquele que para fazer um atendimento tínhamos que fazer um agrado, caso contrário a carga sumia como um passe de mágica!
Os Cenários em 2007 identificados para a Cidade do Rio de Janeiro era o pior cenário, denominado Carandiru, nome de referência a violência massiva do Presídio de São Paulo. Abaixo a representação gráfica dos quatro cenários estratégicos para a Cidade do Rio de Janeiro até 2017, se nada fosse feito.

Os Atores mais influentes selecionados, em uma primeira rodada, foram:
Os Atores mais influentes selecionados, em uma primeira rodada, foram:


Matriz de Incertezas – Software INTERISK
As facções criminosas do Rio de Janeiro, diferentemente das de São Paulo, sempre foram concorrentes e inimigas entre si, brigando por território, por pontos de venda, o que gerava um nível de violência muito grande. Mas seu crescimento e estruturação se fez com a total conivência e participação ativa dos aparelhos estatais em todos os níveis e em todas as estruturas. Haja visto que grande parte dos políticos estaduais foram presos, sendo o ex–governador, Sérgio Cabral, o comandante da sistemática da corrupção, sem se preocupar com as aparências.
Ele diretamente e todo seu secretariado é responsável por uma grande parcela do que acontece hoje na nossa cidade maravilhosa. Temos áreas completas abandonadas à criminalidade e ao narcotráfico, o que só certifica a existência de dois Estados, um sem regra dentro de outro fraco e podre que mantinha apenas uma aparência de normalidade institucional. Com este contexto surgiu uma completa anomalia.
Esta anomalia, também possui outra grande causa pelo simples fato da conivência da sociedade civil e empresarial carioca e fluminense, que além de eleger governantes corruptos em processo de livre escolha, participavam como atores ativos quando financiavam as drogas, o pagamento das propinas para realizarem a distribuição de seus produtos em áreas críticas, os acordos com os chefes de comunidades para entrarem e realizarem consertos e por aí vai. Isso significa que cariocas e fluminenses são também corresponsáveis pela situação que atualmente vivem.
Em 2007 pela Matriz de Impactos Cruzados, os eventos considerados motrizes, se encontravam no quadrante I, o que significa que eram instáveis. Isso era bom para a Cidade do Rio de Janeiro, pois se houvesse um trabalho forte no combate a corrupção policial (7), judiciária (8) e suportasse a violência urbana (14), estrangulando as facções pelo lado financeiro operacional, todos os outros fatores de riscos, tais como: Inteligência Policial; Legislação Brasileira (11); Sistema Carcerário (13); Facções Criminosas: estruturação do crime como empresa (15); Facções Criminosas: assistencialismo (16); Valores éticos e morais nas empresas (17); Estruturação das milícias em função da inoperância do Estado (20) seriam impactados.
Com um programa forte social e com a violência controlada, através da expulsão dos traficantes, o crime estaria controlado. Ver a Matriz de Impactos Cruzados abaixo.


O nível de influência dos atores nos fatores de risco ficou, em 2007, assim definida:

Vejam que esta influência dos atores nos fatores de riscos, comparando com a realidade de hoje, praticamente é a mesma que os fatos confirmaram.
Selecionamos 9 riscos considerados chaves para o Rio de Janeiro, através de brainstorming. São eles:
1. Roubo de carga na distribuição urbana;
2. Sequestros, incluindo o considerado amador e feito por quadrilheiros;
3. Violência urbana: desde “bala” perdida à assalto na rua;
4. Tráfico de drogas, ligados às facções criminosas;
5. Fraudes nas empresas, indo desde conivência de furto e roubo de ativos, até acessos a sistemas informáticos;
6. Pirataria de produtos, incluindo a fabricação, distribuição e comercialização;
7. Fuga voluntária de informações estratégicas e táticas;
8. Conflitos sociais urbanos: desde ocupação de imóveis públicos ou privados até manifestações e choques com órgãos policias;
9. Terrorismo criminoso: facções e grupos armados atacando edificações públicas; rede de transporte coletivo: privado e público; órgãos policiais, originando confrontos diretos na rua.
Os fatores facilitadores mais influentes sobre estes riscos, utilizando a técnica do Ponto de Motricidade foram:


Vendo a tabela ao lado temos os seguintes fatores mais influentes:
Podemos observar que o nível de influência cruza também com a Matriz de Impactos Cruzados, sendo que a Corrupção no Judiciário e Policial, Violência Urbana e a Legislação estão no foco do tratamento. Caso o Estado não trate, irá enxugar gelo. Infelizmente foi o que aconteceu nestes últimos 10 anos. Perdeu-se tudo que foi construído, pois não foi combatido a corrupção e por consequência a violência urbana. Por esta razão, os outros fatores continuaram ativos.
Outro ponto que gostaria de falar é sobre este viés ideológico, esquerdizante, em querer afirmar que os militares estão querendo tomar o poder. É de uma burrice que não tem tamanho.
Vejamos, as Forças Armadas foram chamadas a cumprir essa missão, com o protagonismo sendo atribuído ao Exército. Nada mais natural, considerando o fato das polícias do Rio não estarem mais cumprindo essa função. O Estado estava – e está – aos frangalhos. Os militares gozam de alto prestígio entre a população e são reconhecidos por sua moralidade, honestidade e dedicação à Pátria. Em situações de emergência, soluções emergenciais. Ponto.

Os esquerdistas falam, que a intervenção militar, quando ela é federal, seguindo os preceitos constitucionais, precisa de acompanhamento das atividades das Forças Armadas pela Defensoria Pública, pelo Ministério Público, por diferentes comissões, e assim por diante. Disparate total, para não falar outro nome.
É o mesmo que falar que os militares são potenciais criminosos uniformizados e estivessem à solta, sob a máscara da captura de criminosos; como se os militares fossem o problema, e não a solução. Não entendo. O que este pessoal quer? Engessar a operação? A continuidade da farra e da perpetua zombaria e a violência cada vez mais massiva sob a demagogia da defesa dos moradores da comunidade!
São esses moradores as principais vítimas, pois estão e ficam no fogo cruzado e, hoje são reféns do crime. Então o que desejam estes senhores? É de lamentar.
Denis Lerrer Rosenfield, escreveu no Jornal O Estado de São Paulo, na coluna Estado e Segurança - Rio de Janeiro está se esfacelando. Em face de situação de emergência, solução emergencial: “Alguns casos são emblemáticos. Foi amplamente divulgada uma série de fotos retratando soldados averiguando a identidade de moradores dos morros. Toda uma celeuma se criou, como se estivessem fichando inocentes tidos por criminosos. Tratou-se de mera identificação digitalizada, online, para averiguar a existência ou não de problemas com essas pessoas.
Nada muito diferente da identificação em prédios públicos ou empresas privadas. Em qualquer repartição do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Púbico há processos de identificação, com documentos e fotos. É corriqueiro e não se torna notícia. Ou deveríamos indignar-nos com tais procedimentos?
É inaceitável que se pretenda desqualificar o restabelecimento da autoridade estatal, atribuindo-lhe violações dos “direitos humanos” e da “democracia”. São estes que estão sendo diariamente pisoteados pelos crimes dos traficantes, dos contrabandistas e de uma parte da elite política.”
Um último ponto foi a completa omissão dos últimos governadores do Rio de Janeiro e presidentes do Brasil que nada, mas nada fizeram para que o quadro realmente mudasse. A omissão foi total.
O mérito do Governo Temer, mesmo sendo eleitoreiro, foi que chamou para si a responsabilidade que, em termos de distribuição de competências federativas, não era dele, mas dos Estados. Pode-se discutir a oportunidade da intervenção, pois deixou para trás uma reforma vital para o País como é a da Previdência, dando ensejo à percepção de que haveria propósito eleitoral nessa iniciativa. O fundamental, no entanto, reside em que a situação do Rio foi percebida como crucial, na medida em que a violência apareceu midiaticamente como insuportável, apesar de vicejar há muito tempo. O presidente, responsavelmente, visou o restabelecimento da autoridade, pilar de sustentação do Estado. Outros simplesmente se omitiram.
Na época, em 2007 a conclusão da minha tese foi: podemos concluir que face à degeneração do tecido estrutural da cidade do Rio de Janeiro, os fatores facilitadores que mais impulsionam os riscos, estão ligados a questões policiais e judiciais.
Isto significa que são fatores de curto prazo, ou seja, se o governo do Rio de Janeiro não focar soluções para descontinuar a atual estrutura criminosa, combatendo de forma efetiva e contínua a corrupção policial e judiciária, mudar a estrutura da nossa legislação e sistema carcerário, a tendência é a continuada da subida do nível de insegurança e proliferação de ações de força, por parte das facções e milícias.
A questão social, hoje, no Rio de Janeiro deve também ser atacada, mas de forma estruturada e continuada, visando o médio e longo prazos.
Creio que a conclusão é a mesma, infelizmente!!
Sorte a sucesso a todos nós!!
Boa leitura!