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FRAUDES

Âncora 1

A realidade das
fraudes na saúde

Kelly Mendes 

Coordenadora de Compliance e Gestão de Riscos de Grande Operadora de Saúde da Região Sul.
Cursando MBA de Gestão de Riscos Corporativos pela Brasiliano INTERISK em Curitiba.

A fraude difere-se do erro pelo simples fato da intenção, são atos que atentam contra agentes internos e externos de forma não autorizada, com o intuito de obter vantagem indevida.

Os atos ilícitos na área da saúde apresentam efeitos diretos à população, pois por diminuir os recursos disponíveis, geram desordem, ineficiência do atendimento, redução da qualidade, da equidade, do volume de serviços, além de aumentar o custo dos serviços oferecidos. Contudo, apesar do conhecimento dos efeitos negativos, a corrupção e a fraude no setor da saúde têm sido difíceis de serem detectadas, são justificadas pela a grande abrangência de atuação, uma vez que se trata de diversos sistemas (público, privado, hospitais, médicos, pacientes e fornecedores), várias formas de abuso que variam de acordo com a gestão e controle dos recursos e ainda pela criatividade e conhecimento dos infratores.

Fraude na saúde pública

 

No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) trouxe benefícios com a descentralização dos serviços, na contrapartida acabou por dificultar o controle dos recursos. Criado pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas Leis n.º 8080/90 e nº 8.142/90, com o intuito de abrandar a situação de desigualdade de assistência à saúde da população brasileira, o SUS tornou obrigatório o acesso à saúde pública a qualquer cidadão e uma porta aberta para as fraudes. Dados oficiais do Órgão apontam que o valor apresentado da produção ambulatorial do SUS - Brasil – no mês de abr/2018 foi de R$ 1,7 bilhões, representando aproximadamente R$ 20 bilhões/ano, como qualquer negócio de grande vulto, chama a atenção dos desonestos que veem no sistema uma farta fonte de renda. Segundo o relatório de 2016 da Transparência Internacional, os principais atos ilícitos são as fraudes em contratos, peculato de recursos, documentos fiscais falsos, mercadorias compradas que não chegaram às unidades de saúde, aquisições a preços acima do mercado, desvio de fundos destinados a pagar fornecedores e médicos e ainda práticas ilegais na contratação de profissionais.

Fraude no setor privado da saúde

A fraude não ataca somente o setor público, os planos privados também são frequentemente acometidos por fraudes promovidas tanto pelos beneficiários, fornecedores, corretoras, quanto por sua própria rede prestadora (médicos e prestadores de serviços). Contudo, da mesma forma que a rede pública, há uma tolerância incompreensível que acoberta os fraudadores e muito pouco tem sido feito para estancar os prejuízos. 

A realização de procedimentos desnecessários tais como exames, internações e “emergencialização” de cirurgias alavancam os números de fraudes, e são praticadas por médicos e dentistas, que justificam sua conduta fraudadora nos baixos preços de tabela fixados pelas operadoras; os pacientes, por desconhecimento ou conveniência não se opõem à fraude. Não raro, as fraudes acabam sendo legalizadas pela justiça, quando são emitidas decisões que garantem o atendimento ao usuário do plano que fraudou sua declaração de saúde, omitindo uma doença pré-existente para não cumprir o prazo de carência. Entre a obrigação legal de negar o atendimento pela fraude evidente e o risco de morte do paciente, os juízes autorizam o atendimento, deixando o prejuízo para a operadora.

As operadoras, para combater as fraudes são obrigadas a criar onerosas estruturas de auditoria. Quando o procedimento foge do protocolo médico padrão, as auditorias negam o atendimento e a partir daí surge um embate desgastante para todas as partes. Cria-se aí uma tríade viciosa: de um lado, as operadoras tentam a todo custo diminuir seus custos, do outro, os profissionais de saúde e hospitais credenciados tentam aumentar sua renda promovendo atendimento de volume e baixa qualidade, com procedimentos muitas vezes desnecessários; e do outro, o beneficiário que apela para o cometimento de fraudes na tentativa de obter o atendimento médico que não é oferecido pelo Sistema Único de Saúde, agravando ainda mais essa complexa relação. 

Outro exemplo clássico são os incentivos financeiros para utilização de determinados medicamentos e produtos médicos que elevaram a indústria farmacêutica ao patamar de vilã, os fornecedores detêm os dados sobre os seus produtos e diretrizes das respostas clínicas, essa assimetria de informação entre fornecedores, médicos, operadoras e pacientes geram oportunidades para abusos. 

Casos concretos

Em março de 2018, a Justiça Federal condenou o administrador de uma Grande Operadora de Saúde a 11 anos, um mês e 22 dias de reclusão em regime fechado, além do ressarcimento do dano causado à empresa no valor de R$ 840 mil, pelos crimes de peculato e lavagem de ativos, os valores eram desviados por meio de pagamentos a um hospital credenciado, do qual eram emitidas notas fiscais  fraudulentas que não correspondiam aos serviços prestados. 

Em outro caso recente, de junho de 2018, doze pessoas, dentre eles cinco advogados, falsos pacientes, médicos, representantes de empresas de importação de fachada e aliciadores foram presos. A fraude consistia na proposição de ações judiciais baseadas em laudos médicos falsos, os médicos emitiam falsos atestados de hepatite C para pacientes saudáveis, que eram aliciados por outros membros da quadrilha. Os advogados envolvidos entravam na Justiça contra os planos de saúde, para exigir um medicamento usado no tratamento da doença, notas fiscais falsas eram emitidas e eram buscadas tutelas antecipadas em São Paulo para se angariar o depósito judicial, os advogados levantavam o alvará e dividiam os valores entre falsos pacientes, aliciadores, médicos e advogados. Segundo a principal Operadora lesada, o prejuízo chega perto de R$ 8 milhões.

 

Para se ter uma ideia do impacto econômico provocado pelas condutas ilícitas, segundo o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar – IESS e da Advance Medical Group, consultoria espanhola especializada em saúde, em 2016 as internações, exames e consultas feitas por usuários de planos de saúde chegou a R$ 137 bilhões, desse valor, cerca de 20% foi perdido com  fraudes e desperdícios, entre estes, estão consultas e exames médicos desnecessários, que somaram R$ 13 bilhões aliados a R$ 14 bilhões de fraudes nas contas hospitalares, dentre os atos ilícitos estão cobrança de medicamentos não utilizados e aquisição de órteses desnecessárias. 

O combate à tolerância incompreensível

De forma sistêmica, a corrupção influencia negativamente os resultados das ações do Estado e leva à degradação dos indicadores sociais, prejudica os padrões de saúde relacionados à mortalidade em hospitais, dissolve a equidade, além de acarretar falta de equipamentos adequados que poderiam ter sido adquiridos com os recursos que foram desviados em ações fraudulentas.

O tema “combate à fraude, corrupção e atos ilícitos no setor da saúde” é no mínimo desafiador, de longo prazo e deve ser pulverizado em várias pequenas ações no dia a dia. A atuação precisa ser investigativa, contundente e punitiva; as leis/regras devem ser claras, não burocráticas e aplicadas na essência; as empresas e instituições precisam se dedicar a conhecer a fundo seus riscos, aplicar os controles e se antecipar às fraudes que possam afetar o seu negócio; a integridade deve ser permeada em toda a cadeia de relacionamento da empresa; deve ser cobrada mais transparência, agilidade e controle por parte dos órgãos responsáveis e regulatórios. Contudo nenhuma medida obterá sucesso se o fator humano não for levado em consideração, se não forem aplicados, com afinco, meios para a quebra do paradigma atual, da cultura do ganho individualista. As ações precisam clamar pela cobrança de punição severa aos infratores e àqueles que vivem sob o estigma do “jeitinho brasileiro”, que esta conduzindo o país ao caos. 

Referências 

BRASILIANO, Antonio Celso Ribeiro. Gestão de Risco de Fraude. São Paulo,  2015. 

Doença forjada. Advogados são presos em Minas Gerais acusados de fraude contra planos de saúde, Junho 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jun-19/advogados-sao-presos-acusados-fraude-planos-saude>. Acesso em 22 de junho de 2018.

Economia. Justiça condena administrador por fraude em plano de saúde dos Correios, Março 2018. Disponível em: < https://istoe.com.br/justica-condena-administrador-por-fraude-em-plano-de-saude-dos-correios/>. Acesso em 22 de junho de 2018.

Negócios. MPF investiga fraude bilionária em planos de saúde, Novembro 2017. Disponível em: < https://exame.abril.com.br/negocios/mpf-investiga-fraude-bilionaria-em-planos-de-saude/>. Acesso em 13 de junho de 2018.

O Mal da Corrupção, Junho 2014. Disponível em: < https://oglobo.globo.com/opiniao/o-mal-da-corrupcao-12920585>. Acesso em 11 de junho de 2018.

Notícias. Especialista denuncia fraudes comuns na relação com planos de saúde, Julho 2013. Disponível em: <http://www.salutis.com.br/noticias-detalhes/140/especialista-denuncia-fraudes-comuns-na-relacao-com-planos-de-saude#.WzBLradKjIV>. Acesso em 10 de junho de 2018

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