A mediação no
processo sucessório
de empresas familiares
Adriana Rocha
Pós-graduada em Marketing pela escola de negócios IAG, Curso de Mercado de Ações – FGV e
Mediadora com formação pelo Mediare e Especialização pela Ucam/Iuperj
A construção de uma boa governança nas empresas familiares passa necessariamente pelo desafio de tornar saudáveis as relações entre seus membros. Acordos que incluam o maior número de familiares e definam poderes de decisões legitimados, permitem a oxigenação deste ambiente. Para alcançar estes acordos, a mediação pode ser particularmente útil. Mediadores e facilitadores atuam arejando o terreno de conflitos pessoais e interpessoais, o que contribui com a abertura do diálogo entre as partes.
Deixar a atmosfera mais leve entre as pessoas, permite visualizar melhor alternativas de solução para os impasses. Nas empresas familiares, esta higienização do ambiente passa pela identificação de conflitos que podem ter origens remotas no tempo. No entanto, o percurso entre emergir interesses e motivações e mover posições em direção ao consenso na família, não segue o ritmo ditado pelos dias de hoje.
Trabalhar conflitos na esteira do processo sucessório em direção a uma boa governança, exige respeitar os diferentes ritmos dos atores. Pode parecer um paradoxo falar em um percurso com ritmo mais lento quando, cada vez mais, as pessoas buscam por respostas rápidas em um mundo VICA. Este conceito militar, criado nos anos 90, foi traduzido para o mundo dos negócios para ilustrar um ambiente volátil, incerto, complexo e ambíguo, onde profissionais precisam ser adaptáveis, multifacetados, flexíveis e corajosos.
O olhar analítico e o tratamento cuidadoso de questões de relacionamento humano exigem um tempo diferente. Para que novas ideias sejam adaptadas e absorvidas de forma realmente palatáveis, sem que se abra brechas para vieses, é preciso escutar e procurar atender todas as vozes, sob pena de construir uma governança sem sustentabilidade e legitimidade emocional, com alicerces frágeis.
Ao transpor o conceito VICA para o ambiente das empresas familiares, percebe-se suas digitais presentes. A volatilidade é percebida na dinâmica e na natureza do crescimento das famílias, que modificam o perfil de acionistas e familiares. A incerteza é reconhecida nas hesitações em temas ligados a sucessão e as inovações. A complexidade é observada no aumento da possibilidade de conflitos, proporcionais ao crescimento das famílias e, a ambiguidade é identificada na falta de clareza em enxergar os papeis de acionistas, familiares e gestores, e as diferentes expectativas que cada um possui com relação a empresa.
Lidar com o VICA interno vem sendo o maior desafio na sobrevivência das empresas familiares. As estatísticas apontam o alto índice de mortalidade destas empresas, especialmente relacionadas com a falta de um planejamento sucessório. Compreender e agir neste ambiente, exige um perfil de profissionais com habilidades que transitam entre a análise de conflitos, a comunicação e a negociação. O profissional de mediação por reunir estas competências, tem sido cada vez mais inserido em projetos sucessórios e de governança nas empresas familiares.
Com vistas a fazer frente as exigências da atualidade, o mercado de trabalho vem valorizando cada vez mais, as habilidades caracterizadas como soft skills. Estas habilidades subjetivas são aquelas encontradas em pessoas que proporcionam e permitem uma integração maior no ambiente de trabalho. Um ambiente que conta com profissionais com estas habilidades, permite extrair de cada um, melhores resultados.
Na esteira deste raciocínio, é fácil compreender o valor da atuação de mediadores como oxigenadores do ambiente onde utilizam ferramentas que melhoram a qualidade da comunicação e ampliam as alternativas para resolução de conflitos. Ao escanear os conflitos relacionais dos familiares e acionistas, procura-se identificar as reais motivações e necessidades que levam aos dissensos. São exemplos destes dissensos: as divergências em relação a poderes de decisão, conflitos de interesses que envolvam acionistas, familiares e gestores e a falta de fronteiras de atuação de cada um deles.
A necessidade e a eficácia nos resultados da atuação de mediadores pode parecer ser de fácil compreensão, no entanto, a mediação nas empresas familiares envolve conversas difíceis em torno de conflitos pessoais e interpessoais. Em muitos casos, estes conflitos, ainda que submersos ou adiados, estão presentes em atitudes que alimentam um ambiente nocivo que contamina e paralisa o crescimento das organizações.
Boas práticas de governança em empresas familiares pressupõe a existência de um plano de sucessão bem elaborado. Este planejamento não representa apenas fator de sobrevivência destas empresas, mas também um ativo tangível perante instituições financeiras. Neste sentido, é preciso trazer para liderar este planejamento sucessório, os próprios fundadores, serão eles os principais agentes catalizadores de mudanças que colocarão a organização no caminho da governança.
No entanto, muitas vezes, conflitos pessoais dos fundadores os impedem de liderar seu processo sucessório. Alguns até compreendem a importância de ter um plano de sucessão para suas empresas, mas adiam este projeto, quer seja por não estarem convencidos de seu próprio afastamento, quer seja para evitar as tais conversas difíceis com seus familiares. Neste último caso, estes diálogos podem ser amparados por facilitadores que traduzem os interesses de cada um, sem carga emocional e provocam uma escuta diferente.
Por outro lado, uma liderança consciente no desenvolvimento do plano de sucessão da empresa, faz toda a diferença no sucesso deste projeto. Para provocar esta consciência no fundador, o mediador promove diálogos que estimulam o autoconhecimento e a auto responsabilização do líder e, desta forma podem levá-lo a enxergar novas perspectivas para a empresa e para ele próprio. Obter a legitimação do fundador contribui em muito para alinhar o comprometimento, a compreensão e a adaptação da família e dos colaboradores à ideia de uma nova governança.
Conflitos interpessoais são fontes desestabilizadoras de uma ambiência saudável. Nestes casos, o mediador atua como facilitador de diálogos. Questões como falha na comunicação, discordância nas diretrizes da empresa, ambiguidade de papéis, falta de definição de critérios de ingresso de familiares na organização são pautas objetivas trabalhadas na construção de protocolos de família. Todas estas questões costumam carregar também suas pautas subjetivas como necessidades mal atendidas, ressentimentos, frustrações de aspirações, expectativas diferentes com relação a empresa e conflitos geracionais.
Compreender a interdependência destas pautas envolve além de consultores e advogados colaborativos, incluir as expertises de mediadores e facilitadores. O emprego de técnicas de comunicação e negociação flexibiliza posições e abre caminho para a compatibilização de interesses. Para buscar o caminho do consenso é preciso acolher todos os envolvidos e levar em conta alternativas para atender as diferentes necessidades.
Os conflitos são fruto da diversidade e a diversidade é bem-vinda. Resta apenas saber trabalhá-los para poder aproveitar as boas ideias que podem surgir ao longo de um dissenso, mas que pela temperatura emocional nem sempre são escutadas. A ampliação da escuta e a tradução da fala “embrulhada para presente”, pode mudar a forma de dialogar e estimular ideias que possam ser adequadas para atender as necessidades do maior número de familiares.