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Âncora 1

ANÁLISE

Análise de riscos
na contratação
de obras públicas

Tarcísio Hugo Neris
Graduado em Engenharia Civil e Mestrando em Habitação (Linha de Pesquisa: Planejamento, Gestão e Projeto) pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo. Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Município de São Paulo.

A melhoria das contratações de obras públicas no Brasil passa pelo gerenciamento de riscos, com a utilização das ferramentas da análise de riscos nos instrumentos de controle elaborados na fase interna das licitações, com o intuito de estruturar o processo de tomada de decisão.

O volume total de recursos destinados para a execução de obras na indústria da construção civil foi de R$ 299 bilhões em 2016 no Brasil. Em média, 37% desses recursos foram destinados para obras no setor público, entre 2007 e 2016 (Figura 1).
 

Figura 1 - Gráfico com o percentual da participação das obras públicas no
montante de obras executadas por empresas da construção civil.
Fonte: IBGE - Pesquisa anual da construção civil (2007 a 2016).

O montante de recursos destinados ao setor da construção é relevante, apesar de insuficiente para promover o desenvolvimento do Brasil. Além disso, verifica-se que parte dessa destinação está aquém do esperado devido ao elevado desvio de recursos públicos.


Tais desvios são atribuídos à falha de governança, supervisão e, inclusive, a corrupção endêmica no setor da construção civil, corroborada por diversas pesquisas globais que apontaram ser o setor mais corrupto das indústrias (CHARLES, 2011).


Flyvberg, Holm e Buhl (2002) demonstraram que as falhas nas estimativas de custos são um fenômeno global e que ao serem utilizadas nos processos de tomada de decisão para implantação de projetos de infraestrutura não representam a realidade.


A implicação política disso é clara: nos debates e processos de tomada de decisão sobre se um empreendimento de infraestrutura deve ser construído, os legisladores, administradores, investidores, representantes da mídia e outros agentes públicos que avaliam os números não deveriam acreditar nas estimativas de custo e nas análises de custo-benefício produzidas (FLYBJERG; HOLM; BUHL, 2002, p. 279).


No Brasil, Carvalho, Paula e Gonçalves (2017) identificaram qualitativamente que os principais aspectos de falhas nas obras públicas de seu estudo foram: aumento de custo em todas as obras, problemas com atrasos, escopo e contratos não definidos, além de gestão obscura dos contratos (Quadro 1).
 

Quadro 1 – Resumo dos aspectos identificados nas obras públicas.
Fonte: Carvalho, Paula e Gonçalves (2017).

Em 2015 foi apresentado pelo TCU um levantamento de governança pública, no qual foi avaliada a adoção de práticas de gestão de riscos em 7.770 organizações públicas de todo o país (Figura 2). O resultado apresenta que dentre as diversas questões de governança pública, a gestão de riscos nas organizações foi a que se apresentou em uma fase inicial dentre todas as questões apuradas.
 

Figura 2 – Gráfico com avaliação das práticas de gestão de riscos em organizações públicas. Fonte: TCU (2015).

Tal fato foi levantado por Caldeira (2015) que avaliou o nível de maturidade dos órgãos públicos na aplicação dos conceitos de gerenciamento de riscos, devido à modalidade de contratação integrada contemplada no ordenamento jurídico (Figura 3).
 

Figura 3 – Gráfico que apresenta a maturidade em relação às fases de identificação
e a análise quantitativa de riscos. Fonte: Caldeira (2015).

Para Caldeira (2015) apesar da previsão expressa no ordenamento jurídico, a maioria das contratações realizadas apresentou baixo nível de maturidade.


Diante do baixo nível de maturidade, cabe trazer que o processo para a realização de obras públicas apresenta diversas fases, que podem ser segmentadas da seguinte forma: fase preliminar, fase interna, fase externa, fase contratual e fase posterior a contratação,conforme Figura 4.
 

Figura 4 – Fluxograma de procedimentos para contratação de obras públicas. Fonte: TCU (2014a).
 

Observa-se que o processo para a contratação de uma obra pública apresenta as etapas claras e com um nível de maturidade significativo, entretanto, como o processo de gestão de riscos é ineficiente no setor público, diversas etapas do processo de contratação são negligenciadas, como verificado no Quadro 2.


Destaca-se que os órgãos públicos participam diretamente de todas as etapas da Figura 4, e além do mais é atribuição exclusiva desses as fases preliminares e internas (Figura 5). Portanto, a qualidade do bem público a ser construído depende do planejamento adequado por parte desses órgãos.
 

Figura 5 – Fases do ciclo de vida de uma obra pública. Fonte: Rocha (2005).

Essas fases apresentam interdependência e devem ser seguidas para a obtenção de um resultado satisfatório, uma vez que a falta de informações em determinadas etapas, eleva os riscos do projeto ao se evoluir de etapa, conforme Altounian (2015, p. 57).


A explicação para o cumprimento ordenado dessas etapas é simples. Basicamente se resume ao fato de que quanto menos preciso for o conjunto de informações para se avançar de fase, maior o risco de prejuízos ao proprietário da obra.


É fato que, a fase interna das licitações de responsabilidade exclusiva dos órgãos públicos, é o momento adequado para a utilização das técnicas de gerenciamento de riscos, uma vez que as definições relevantes do projeto são definidas nessa fase.


Como o processo interno na fase interna de licitação é, em regra, de exclusividade dos órgãos públicos, a qualidade do produto elaborado depende desses órgãos. Portanto, os riscos assumidos pela administração pública são gerados pelo próprio setor público.


Dessa forma, no ciclo de vida do projeto é fundamental na fase inicial a tomada de decisão amparada em elementos que contemplem análises quanto aos riscos assumidos, pois nessa fase o nível dos investimentos é mínimo (Figura 6).


Para garantir que as etapas do fluxograma da Figura 4 sejam atendidas diversos elementos legais devem ser observados para a contratação de obras públicas (Figura 7).
 

Figura 6 – Exposição ao risco em função do nível de investimento dentro do ciclo de vida de um empreendimento. Fonte: Wideman (1992) citado por Rocha (2005).

Figura 7 – Conjunto de leis, normas, deliberações e procedimentos a
serem observadas em obras públicas. Fonte: Altounian (2015).

Dessa forma, é necessário avançar na concepção de obras públicas integrando as técnicas de gestão de riscos desde a primeira fase do processo de contratação. Como exemplo, Alárcon et. al. (2011) faz um comparativo entre a forma tradicional da elaboração de um orçamento com uma abordagem na qual a análise de risco está integrada ao custo da obra pública, através do contingenciamento, Figura 8.
 

Figura 8 – Comparativo entre a abordagem tradicional e a proposta de uma modelagem
de riscos integrada na fase de orçamentação. Fonte: Alárcon et. al. (2011).

A integração da análise de riscos com a elaboração de orçamentos proposta por Alárcon et. al. (2011) é uma mudança de paradigma, uma vez que a abordagem tradicional apresenta um valor base estático, enquanto que a inserção de contingências leva a um orçamento dinâmico no tempo, com limite inferior e superior.


Portanto, o valor total efetivo da obra se materializa no decorrer com o acompanhamento da resolução dos riscos (Figura 9). À medida que os riscos não se materializam, as verbas de contingências não são utilizadas e se tornam oportunidades. Além das oportunidades, os eventos previstos como de risco e contingenciados são oportunidades para o gestor.
 

Figura 9 – Exemplo de redução das verbas de contingência no decorrer do tempo. Fonte: adaptado de Alárcon et. al. (2011).

 

O atual cenário de contratação de obras públicas apresenta uma baixa maturidade quando o assunto é análise de riscos, a qual poderia instruir o processo de decisão. Basicamente, o objetivo é atender o que dispõe a lei, porém, os instrumentos técnicos elaborados na fase interna não são capazes de balizar adequadamente o desenvolvimento das ações planejadas.


A melhoria das contratações de obras púbicas no Brasil passa pelo gerenciamento de riscos, com a utilização das ferramentas da análise de riscos nos instrumentos de controle elaborados na fase interna das licitações, com o intuito de estruturar o processo de tomada de decisão.
Diante da relevância do gerenciamento de riscos ao ser aplicado e impactar positivamente com consequente agregação de valor é necessário a utilização de técnicas de análise qualitativa e quantitativa nas contratações de obras públicas.


REFERÊNCIAS


ALARCÓN, Luis F. et al. Risk Planning and Management for the Panama Canal Expansion Program. Journal Of Construction Engineering And Management, v. 137, n. 10, p.762-771, out. 2011.


ALTOUNIAN, Cláudio Sarian. Obras públicas: licitação, contratação, fiscalização e utilização. 5. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. 576 p.
CALDEIRA, Daniel Matos. Diretrizes para o gerenciamento de riscos em contratos de obras públicas: estudo de caso da contratação integrada. 2015. 168 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Engenharia Civil, Departamento de Engenharia Civil, Universidade de Brasília, Brasília, 2015.


CARVALHO, M. T. M; PAULA, J. M. P; GONÇALVES, P.H. Gerenciamento de obras públicas. Brasília. Instituto de Pesquisa Econômicas Aplicadas, 2017. (Texto para discussão n. 2284).


CHARLES, K. Publish Construction Contracts as a Tool for Efficiency and Good GovernanceI. Center for Global Development, 2011. 10p. (Working Paper 272).


FLYVBJERG, B., HOLM, M. S., and BUHL, S. Understanding costs in public works projects: Error or lie? Journal of the American Planning Association, v. 68, n. 3, p. 279-295. 2002.


GRANSBERG, D.; SHANE, J. NCHRP Synthesis of Highway Practice 402: Construction Manager-at-Risk Project Delivery for Highway Programs, Transportation Research Board of the National Academies, Washington, DC. 2009.


IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Anual da Indústria da Construção 2007- 2016. Rio de Janeiro, 2017.


ROCHA, Marcelo Renê. Gerenciamento dos riscos – uma abordagem de processos e práticas para aplicação junto às empreiteiras de obras públicas de infra-estrutura urbana no município de São Paulo. 2005. 236 f. Dissertação (Mestrado) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia de Construção Civil, 2005.


TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Obras públicas: recomendações básicas para a contratação e fiscalização de obras de edificações públicas. 4 ed. Brasília. 2014a.


TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Acórdão n° 1.273 - Plenário. Ata 19, Sessão de 27/5/2015. Levantamento para sistematizar informações sobre a situação da governança pública em âmbito nacional - esferas federal, estadual, distrital e municipal. Brasília, 2015.


 

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