A importância da Lei Anticorrupção e as necessidades das
empresas na prevenção
Cláudio dos Santos Moretti - CES, ASE
Diretor da CSM - Consultoria e Treinamento em
Segurança Empresarial | claudio_moretti@uol.com.br
O Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção realizada pela Organização das Nações Unidas – ONU, oportunidade em que restou consignado que os participantes deveriam implantar medidas para dar mais efetividade ao combate à corrupção seja em seu território ou em outras nações. Na convenção foi designada a data de 09 de dezembro como “Dia Internacional contra Corrupção”.
A legislação brasileira inovou ao criar a Lei 12.846/13 ao punir a Pessoa Jurídica, ou seja, a empresa é que pagará as multas impostas por atos de corrupção e outros contra a administração pública.
Sem que isso isente o fraudador ou corrupto diretamente, mas a inovação ocorre justamente pela ação contra a empresa, inclusive com a responsabilidade solidária das empresas do mesmo grupo econômico, incluindo sociedades controladas ou controladoras, coligadas e consorciadas e ainda na sucessão da responsabilidade em hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão.
Ou seja, a Lei mostra que é vantagem agir de maneira legal e ética, como vermos a seguir.
Conceitos
Para iniciarmos este tema, cabe ressaltar os conceitos aqui utilizados.
Compliance - O termo compliance é derivado do verbo inglês “To comply”, que significa cumprir e agir com ética e em conformidade com as normas internas e externas, seguindo as regras vigentes.
O compliance corporativo é a adoção de procedimentos pela companhia com a finalidade de garantir o cumprimento da legislação vigente e de regras internas, mediante orientação, prevenção e tratamento dos desvios de condutas ou práticas ilegais.
Programa de Integridade - De acordo com o Decreto 8.420/15, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Como vimos, os dois programas têm objetivos similares. Eles são responsáveis por nortear os gestores e colaboradores da organização para que as leis sejam cumpridas, evitando penalidades, como multas altas, por exemplo. Portanto, neste artigo usarei como exemplos similares.
Lei Anticorrupção
Com a promulgação da Lei 12.846/13, conhecida como Lei Anticorrupção, as empresas passaram a responder objetivamente (independentemente de dolo ou culpa) administrativamente (multa e publicação extraordinária da decisão condenatória) e civilmente (perda de bens, direitos ou valores, suspenção ou interdição parcial das atividades, dissolução completa da Pessoa Jurídica, proibição de receber subsídios ou incentivos, etc. de 1 a 5 anos) pela prática de atos contra a administração pública, tanto nacional como estrangeira.
A Lei trata da pessoa jurídica (empresa, que é quem paga a multa, por exemplo), mas os dirigentes também poderão ser responsabilizados, como por exemplo, por improbidade administrativa.
A Instrução Normativa 01/2015 da CGU – Controladoria Geral da União traz, com base na Lei 12.846/13 o cálculo da multa que é administrativa, isto é, muito mais simples do que uma ação judicial que poderia levar anos.
Além disso, a multa é pesadíssima, podendo chegar a 20% do faturamento bruto anual, com base na receita do ano anterior a ocorrência do delito.
Dependendo do caso, isso pode gerar a insolvência da empresa. Portanto, é um risco muito alto para a empresa se arriscar de modo passivo, sem tomar nenhuma ação preventiva.
Já o Decreto 8.420/15, que regulamenta a Lei 12.846/13 estabelece que a empresa deve ter um programa de Integridade (Compliance).
Este programa poderá atenuar a multa, por exemplo, caso um colaborador cometa um ato de corrupção, mesmo que a empresa não tenha envolvimento. Por isso a Lei prevê a responsabilidade objetiva, quer dizer que ela responderá pelo crime de qualquer maneira.
Daí a importância de haver controles internos que sejam eficazes para dissuadir, detectar, identificar o responsável, deter suas ações, e apurar a ocorrência, implantando melhorias nos controles internos.
Na verdade, o que a Lei Anticorrupção mostrou, além das pesadas multas, é que a empresa pode ser beneficiada com ações preventivas, como é o caso da implantação de um sistema eficaz de Compliance para mitigar as chances de uma ocorrência de fraude, corrupção ou qualquer outro tipo de crime com envolvimento da empresa. Com a implantação de um programa de Compliance que funcione, porque não pode ser só de “fachada”, a empresa poderá atenuar a multa, caso ainda sofra uma punição.
O programa de Integridade
O Decreto 8.420/15 requer que haja o “comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa”, exigindo que a liderança se comprometa com o programa, de modo que ele tenha uma estrutura apropriada para o tamanho e os negócios da empresa, principalmente se ela transaciona com a administração pública.
O programa de Integridade também deve ter autoridade, isso significa que ela deve se reportar a alta direção da empresa (presidência ou conselho administrativo, dependendo do caso).
Os controles internos devem ser monitorados e revisados periodicamente. Para isso é previsto no Decreto 8.420/15, a avaliação periódica dos riscos de acordo com as atividades empresariais.
A partir da avaliação dos riscos é que será possível implementar ou atualizar, rever, e melhorar os controles internos da empresa.
Todos os procedimentos devem estar estabelecidos na empresa de forma clara e inequívoca, através de padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos.
Em muitos casos, esses procedimentos são estendidos aos Stakeholders, que são as partes interessadas, ou seja, que têm relação estratégica com a empresa, negócio ou indústria, como por exemplo, os fornecedores, prestadores de serviços e clientes.
Nesse caso, observe que o decreto 8.420/15 prevê que a empresa faça diligências para contratação e, conforme o caso, supervisão de terceiros, dos Stakeholders.
Nesse caso, demonstra a importância da Due Diligence, ou seja, um levantamento ou diligência prévia de uma empresa que será parceira de negócios, por exemplo, identificando se ela é idônea ou inidônea, por exemplo. Isso também será analisado, caso ocorra um ato de corrupção, por exemplo. E pode demonstrar que a empresa negligenciou ou deixou de cumprir uma das normas do programa de Integridade (Compliance).
A Instrução Normativa 02/2015 da CGU - Controladoria Geral da União, com base no Decreto 8.420/15 criou o registro de informações no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS e no Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP.
Desse modo, por exemplo, as empresas punidas por corrupção, além da punição pecuniária, que como dissemos, pode ser muito severa, ainda, as expensas da própria empresa multada, deve publicar nos seus sites e em jornais de grande circulação que foi punida e, inclusive, o motivo da punição.
Com isso, o trabalho de diligência fica mais fácil, mas também pode ser a prova de que a empresa não fez o seu dever de casa, fazendo parceria com uma empresa punida por corrupção e envolvendo-se em crime. Isto será apurado a partir da instauração do Processo Administrativo de Responsabilização – PAR, previsto no Decreto 8.420/15.
Como se trata de um Decreto que regulamenta a Lei Anticorrupção, ele prevê que haja registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica com controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica.
Sempre que houver qualquer irregularidade, o Programa de Integridade deve possuir procedimentos que assegurem a sua pronta interrupção e a tempestiva remediação dos danos gerados, ou seja, os danos causados devem ser reparados assim que alguma irregularidade for evidenciada.
Para isso, também é previsto no Decreto que a empresa possua canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé. Assim, a empresa deve possuir um sistema para receber as denúncias e iniciar as apurações com consequente remediações dos atos irregulares que forem evidenciados.
Sempre que falamos em apuração de ocorrências ilícitas que serão realizadas por sindicância empresarial ou qualquer outro nome que a empresa utilize para realizar as investigações internas, devem ser previstas também, as medidas disciplinares para os casos de violação do programa de integridade.
Inclusive, as medidas disciplinares estão previstas no Programa de Integridade descrito no Decreto 8.420/15.
O Programa de Integridade traz ferramentas que podem reduzir os impactos para a empresa, caso ocorra algum caso envolvendo corrupção. Porém, ele não pode ser elaborado e permanecer no papel pois ele será avaliado, conforme foi demonstrado aqui.
Conclusão
O Compliance ou Programa de Integridade depende de código de ética e de conduta, o que sugere, inevitavelmente, que ele dependerá de pessoas e não apenas de sistemas que possam controlar falhas ou desvios contáveis, etc.
Nesse caso, o trabalho mais difícil é o da conscientização dos colaboradores e é por isso que o próprio Decreto 8.420/15 estabelece a necessidade de treinamentos periódicos sobre o Programa de Integridade.
Assim como nenhum risco tem a probabilidade zero de acontecer, a corrupção também, como dependente de algo incontrolável – o ser humano, por mais controles e treinamentos, ainda existirá a chance de uma ocorrência.
Nesse caso, a implementação de um Programa de Integridade, com controles e treinamentos podem mitigar a probabilidade de ocorrência, porém o programa de Integridade ou Compliance deve ser REAL, pois será avaliado por um Processo Administrativo de Responsabilização – PAR.
O programa poderá diminuir o impacto financeiro, por ser uma atenuante, caso o risco se concretize, além de facilitar para um acordo de leniência, capaz de mitigar de forma expressiva esses impactos.