A Investigação no
contexto Empresarial
Cláudio dos Santos Moretti, CES, ASE
Diretor da CSM – Consultoria e Treinamento
em Segurança Empresarial | claudio_moretti@uol.com.br
16/09/2020
Após a promulgação da Lei 12.846/13, conhecida como Lei Anticorrupção, e que foi regulamentada pelo Decreto 8.420/15, as empresas passaram a ter uma maior preocupação com a Governança e o Compliance.
Isso ocorre porque a lei trouxe a responsabilização direta da empresa, ou seja, a chamada responsabilização administrativa das pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, independentemente de envolvimento da direção da empresa, basta a participação de um funcionário para que a empresa seja responsabilizada.
Obviamente, isso trouxe maiores preocupações para as empresas, as quais buscaram o desenvolvimento de programas de integridade, mais conhecido como Compliance. Até porque a existência do programa de integridade de acordo com os critérios e avaliação da Controladoria-Geral da União – CGU poderá favorecer a empresa em casos de leniência e multas.
Diante disso, as investigações internas se tornaram fundamentais para mitigação dos impactos financeiros e reputação das empresas, ganhando importância no seu desenvolvimento e normatização.
Quando falamos em investigação corporativa ou empresarial, devemos estar atentos a muitos detalhes que estão relacionados a imagem e reputação da empresa, diretos trabalhistas, políticas da empresa, etc.
Em princípio, o gestor de segurança estará lidando com um trabalhador e não com um marginal que ele desconhece seu histórico criminal e ações incriminatórias que ele possui, a menos que a empresa não tenha feito seu dever de casa na contratação do funcionário, o Due Diligence, previsto no Decreto 8.420/15.
Nesse contexto, é bom entender que a empresa precisa estar resguardada em relação as ações dos investigadores, principalmente na hora de formular acusações.
Para isso, é importante que a empresa possua uma política de segurança que determine os limites dos agentes da segurança.
A política de segurança, com relação a apuração de fatos delituosos ou de incidentes na empresa deve constar da formação de uma equipe com prazo definido, que pode ser prorrogado e como se formará a comissão de investigação.
Por exemplo, ela pode citar que todas as denúncias e demais apurações de incidentes ou acidentes serão realizadas a partir da nomeação determinada pela direção da área afetada.
Uma norma pode determinar que o diretor de uma área publicará a formação da comissão, seus componentes e prazo de conclusão, inclusive quem presidirá esta comissão.
Algumas empresas denominam como sindicância que, conceitualmente, é o conjunto de atos e diligências que objetivam apurar a verdade de fatos alegados; investigação, sindicação.
Normalmente, é composto por uma equipe multidisciplinar e tem um prazo para apresentar o relatório.
Outras empresas adotam o nome de comitê ou comissão de sindicância, isso pode variar, mas os objetivos são os mesmos.
É importante que a empresa possua essas normas que determinem as ações dessas comissões, evitando problemas trabalhistas e judiciais.
A norma pode autorizar a presença de um diretor sindical e/ou advogado para acompanhar os trabalhos, além do seu supervisor ou gerente, de acordo com o caso.
Deve ser clara com relação a obrigatoriedade do comparecimento do empregado para ser ouvido.
O ideal é que o gerente do empregado seja convocado a mandar o empregado comparecer ao local da apuração ou entrevista, com isso eliminamos alguns problemas, como por exemplo, o gerente não saber o que está acontecendo, o empregado se ausentar do seu local de trabalho para comparecer a comissão e não informar seu supervisor ou gerente, em alguns casos, a própria norma pode determinar a participação do gerente da área envolvida.
A empresa adotará a política e normas que melhor atendam suas necessidades, sempre de acordo com a legislação em vigor.
De qualquer forma, é imprescindível a participação ou validação do setor jurídico na elaboração da política, da norma e dos procedimentos que determinarão as ações de apuração de desvios (criminosos ou não) por parte dos colaboradores da empresa.
Isso quer dizer que o gestor de segurança não deve iniciar suas ações “investigativas” sem estar embasado nas normas da empresa.
Infelizmente, já vimos muitas situações onde a equipe de segurança, em alguns casos sem o conhecimento do próprio gestor, iniciarem ações desse tipo e que acabaram mal.
Por vezes, as pessoas acreditam estarem fazendo o melhor para a empresa (pegando o ladrão, por exemplo) mas na verdade podem estar incorrendo em crime.
Decidem, por exemplo, colocar escuta telefônica no ramal do suspeito, dar um “susto” ou “choque” no suspeito durante a entrevista do ocorrido, entre outras coisas, que ao final poderão, no mínimo, perder o emprego.
Além disso, o suspeito pode fazer a denúncia à Polícia e à imprensa, o que pode trazer muitos problemas e até gerar uma crise.
Daí a importância da política de segurança que assegure os direitos aos colaboradores, as normas que determinem quem pode instituir uma comissão de investigação e como ela será formada.
É importante que a equipe de segurança receba os treinamentos adequados para atuar nas entrevistas e participar da elaboração de todos os relatórios previstos e identificação do “modus operandi” da ação delituosa com a finalidade de criar formas de controle, etc.
Isso me lembra uma história sobre Napoleão Bonaparte que dizia mais ou menos assim:
Napoleão classificava seus soldados em 4 tipos de pessoas:
a. Os inteligentes com iniciativa;
b. Os inteligentes sem iniciativa;
c. Os ignorantes sem iniciativa e;
d. Os ignorantes com iniciativa.
Aos inteligentes com iniciativa, Napoleão dava funções de comandantes como generais e estrategistas.
Aos inteligentes sem iniciativa, ele os deixava como oficiais que recebiam ordens superiores para cumpri-las com diligência.
Aos ignorantes sem iniciativa, Napoleão os colocava à frente da batalha, para serem “buchas de canhão”.
Os ignorantes com iniciativa Napoleão desprezava e não os queria em seus exércitos.
Nesse caso, cito esta história apenas para mostrar a importância do treinamento e dos meios organizacionais, resumidos aqui, como as políticas, normas e procedimentos.
A ignorância é em relação ao desconhecimento, portanto, a exigência de treinamento adequado para a realização da investigação.
Na segurança empresarial o mais importante ao constatar uma infração, desvio de produtos, fraudes, etc. não é achar o culpado (que, sem dúvida, é importante) mas sim como o desvio ocorre, porque a partir dessa identificação é possível criar controles que evitem novos desvios do tipo apurado.
A partir daí pode ser criado procedimentos que poderão servir para outras unidades ou filiais e com isso trazer um ganho para a empresa.
A investigação, normalmente tem início por uma provocação, ou seja, alguém ou algum setor faz uma denúncia ou reclamação que irá dar origem a investigação.
Lembrando que Investigação interna é uma apuração formal, por isso é importante constar das normas da empresa, e ela visa a identificação de eventuais irregularidades ou violações praticadas por colaboradores, em qualquer nível hierárquico no contexto da companhia.
Podem envolver alegações de: assédio, desvio de produto, de fraude, de acidente, de furto, corrupção etc.
Em princípio, os objetivos de uma investigação corporativa são:
• Identificar violações de políticas internas e leis, a fim de implementar controles internos mais eficientes;
• Identificar/cessar a prática de crimes e ilícitos;
• Minimizar os impactos de uma investigação externa conduzida por órgãos regulatórios ou por autoridades criminais;
• Limitar a responsabilidade da empresa;
• Identificar responsáveis e impor medidas de remediação;
• Identificar o “modus operandi” resultará na identificação de falhas de processos, da segurança, administrativa e outros;
• Pesquisar causas e fatores concorrentes, averiguar situações não conformes, esclarecer fatos e circunstâncias, coletar dados e informações, colher opiniões, relatos de envolvidos, de suspeitos, de testemunhas etc;
• Deixar de fora da investigação a imaginação, as falsas afirmações, as inexatidões, os “achismos” etc;
• Analisar os fatos, com isenção, visando chegar à verdade;
• Verificar circunstâncias do acontecimento: o quê, quem, como, onde, por que, quando e quanto;
• Corrigir desvios administrativos e comportamentais;
• Levantar fatores interferentes e não conformidades;
• Dissuadir ações delituosas;
• Estabelecer relações entre ocorrências, sugerindo medidas preventivas contra eventos semelhantes no futuro;
• Coleta de provas para ações administrativas e penais, se for o caso.
Nem todos os incidentes que serão investigados são crimes.
Se o incidente é um crime (por exemplo, fraude), pode envolver grupos ou crime organizado, o que exigirá mais cuidado na investigação.
Para concluir, é importante salientar que a investigação interna é um dos pilares do Programa de Compliance, garante boa governança corporativa e resguarda a reputação da companhia e do Conselho, que para trazer os resultados esperados pela companhia, é importante que as equipes sejam treinadas para atuarem nestes casos.